A desnutrição é um estado de ingestão insuficiente de nutrientes que alteram a composição corporal,…
Recomendada principalmente para pacientes cirúrgicos e oncológicos, a terapia nutricional imunomoduladora traz benefícios significativos.
A terapia nutricional imunomoduladora trata-se da administração de dieta (oral, enteral ou parenteral) que contém nutrientes com o objetivo de apoiar a função do sistema imunológico ou modular sua atividade.

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Quais os benefícios da terapia nutricional imunomoduladora?
A imunonutrição pode modular mecanismos específicos envolvidos em várias vias imunes e inflamatórias.
No contexto cirúrgico, demonstrou reduzir o risco de complicações e mortalidade, bem como encurtar a internação hospitalar. Em cirurgia gastrointestinal, pode ajudar a manter a função da barreira intestinal.
A imunonutrição também parece aliviar reações adversas em pacientes oncológicos submetidos à radioterapia e quimioterapia, aumentar sua eficácia, melhorar a função imunológica, reduzir a inflamação e tratar a caquexia de pacientes oncológicos.
Em outras condições, como trauma e queimaduras, o uso de imunonutrientes também parece auxiliar os desfechos clínicos.
O uso da terapia nutricional imunomoduladora em pacientes clínicos, sem as condições anteriores, ainda permanece controverso.
Por exemplo, a Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (BRASPEN) afirma que fórmulas enterais imunomoduladoras não devem ser utilizadas rotineiramente em UTI, à exceção de pacientes cirúrgicos hemodinamicamente estáveis, e em pós-operatório de cirurgias de grande porte, principalmente por câncer.
Entretanto, um estudo observacional prospectivo multicêntrico com 406 pacientes em UTI sugeriu um possível benefício com o uso de fórmulas enterais imunomoduladoras. Os pacientes que receberam essa terapia apresentaram menor necessidade de vasopressores e terapia de substituição renal contínua (RRT), melhor suprimento calórico e proteico e melhor sobrevivência.
Principais nutrientes imunomoduladores
Diversos nutrientes podem ser utilizados na terapia nutricional imunomoduladora, sozinhos ou em combinação. Dentre eles:
Contudo, os principais nutrientes imunomoduladores investigados na literatura científica e citados pelas diretrizes de saúde são a glutamina, a arginina e o ômega-3. Conheça cada um deles a seguir.
Glutamina
A glutamina é o aminoácido livre mais abundante no organismo e desempenha um papel essencial na função imunológica, no equilíbrio de nitrogênio, no combate à infecções, e na manutenção da integridade da mucosa intestinal.
Durante períodos de estresse catabólico, como no câncer, sua demanda pode exceder a capacidade de síntese do corpo, tornando-se condicionalmente essencial.
No sistema imunológico, a glutamina é fundamental para a proliferação de linfócitos e macrófagos, além de aumentar a produção de glutationa, um antioxidante chave na defesa contra o estresse oxidativo. Também atua na proteção da mucosa gastrointestinal, prevenindo a translocação bacteriana e reduzindo complicações infecciosas.
Não obstante, a glutamina é recomendada pela Sociedade Europeia de Nutrição Clínica e Metabolismo (ESPEN) em pacientes com queimaduras, trauma, paciente cirúrgicos, e pacientes polimórbidos com úlceras por pressão. Entretanto, não está recomendada para pacientes de UTI em geral, incluindo aqueles com insuficiência hepática e renal.
A BRASPEN também sugere o uso de glutamina em determinadas situações, como pacientes com pancreatite aguda grave, trauma, e para a cicatrização de feridas, embora não recomende para pacientes críticos, fase aguda da doença grave e pacientes queimados.
A depender de cada caso, as doses podem variar, em uma escala geralmente de 0.2 a 0.5 g/kg/dia.
Arginina
A arginina, um aminoácido condicionalmente essencial em doenças críticas, desempenha um papel importante na imunidade e na recuperação tecidual. Ela estimula a proliferação de linfócitos T, aumenta a resposta imunológica e contribui para a deposição de proteína e colágeno em feridas.
Além disso, regula a inflamação pós-operatória, eleva a concentração de IgM e influencia a imunoterapia por meio das vias da arginase e do óxido nítrico (NO). No entanto, a produção excessiva de NO pode causar danos teciduais, exigindo cautela na suplementação, especialmente em casos de inflamação grave.
A recomendação para suplementação de arginina pelas diretrizes de saúde é escassa. Por exemplo, a BRASPEN não recomenda para pacientes sépticos, sob possível risco de aumentar a mortalidade.
Já a ESPEN afirma não haver evidências suficientes para a suplementação intravenosa ou enteral de arginina como substância isolada, embora seja indicada em fórmulas combinadas (arginina + ômega-3 + ribonucleotídeos) para pacientes desnutridos submetidos à cirurgia oncológica de grande porte.
Ômega-3
O ômega-3 corresponde a um grupo de ácidos graxos essenciais, incluindo ácido alfa-linolênico (ALA), ácido docosahexaenoico (DHA) e ácido eicosapentaenoico (EPA). Como imunonutrientes, suas funções incluem:
(1) Regulação da inflamação: Reduz citocinas inflamatórias, como IL-6 e TNF-α, ajudando a resolver inflamações; e também modulam a produção de eicosanoides, diminuindo seus efeitos pró-inflamatórios e imunossupressores.
(2) Saúde intestinal: Melhoram a microbiota, aumentando a diversidade e a abundância de bactérias benéficas; protegem a barreira intestinal e reduzem a translocação bacteriana, prevenindo complicações pós-operatórias.
(3) Prevenção do câncer: Os ácidos graxos ômega-3 já demonstram efeito antiproliferativo, além de potencialização da ação de quimioterápicos.
A ESPEN afirma que fórmulas enterais enriquecidas com ômega-3 podem ser administradas dentro das doses nutricionais na UTI. Além disso, emulsões lipídicas parenterais enriquecidas com EPA+DHA (dose de óleo de peixe de 0,1-0,2 g/kg/dia) podem ser administradas em pacientes recebendo terapia nutricional parenteral.
Ademais, em pacientes com câncer avançado em quimioterapia e em risco de perda de peso ou desnutridos, sugere-se usar suplementação com ômega-3 para estabilizar ou melhorar o apetite, a ingestão de alimentos, a massa corporal magra e o peso corporal.
A BRASPEN também recomenda o uso de ômega-3 parenteral para diversos públicos, como no câncer e em pacientes sob cuidados perioperatórios, com benefícios atrelados a redução no tempo de internação hospitalar e/ou UTI e o menor uso de antibióticos. Saiba mais em: Posicionamento BRASPEN: uso de ômega-3 via parenteral.
O que podemos concluir?
A terapia nutricional imunomoduladora apresenta diversos benefícios, sendo geralmente indicada para pacientes cirúrgicos e oncológicos desnutridos, auxiliando na redução de complicações, tempo de internação, resposta inflamatória, entre outros.
No entanto, seu uso em outras condições clínicas ainda é debatido. Frequentemente, as diretrizes citam a necessidade de mais estudos, com melhor qualidade metodológica, para indicar essa abordagem nutricional para outros públicos.
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Referências:
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A Redação Nutritotal PRO é formada por nutricionistas, médicos e estudantes de nutrição que têm a preocupação de produzir conteúdos atuais, baseados em evidência científicas, sempre com o objetivo de facilitar a prática clínica de profissionais da área da saúde.
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