Esclerose Múltipla e Microbiota Intestinal: Existe Relação?

Postado em 29 de maio de 2024 | Autor: Marcella Gava Brandolis

De acordo com algumas pesquisas, o desequilíbrio da microbiota intestinal pode levar ao desenvolvimento e progressão da esclerose múltipla.

A esclerose múltipla (EM) é uma condição neurodegenerativa crônica e inflamatória, causada por reações autoimunes que prejudicam a estrutura e o funcionamento dos neurônios. Essa doença afeta 2,3 milhões de pessoas ao redor do mundo, e sua incidência está aumentando cada vez mais.

esclerose múltipla

Fonte: Canva.com

Nos últimos anos, pesquisas apontaram para uma possível relação entre a disbiose (o desequilíbrio da microbiota intestinal), e a esclerose múltipla. A seguir, entenda os motivos que levam à essa associação, e como isso pode interferir no tratamento da doença.

Existe relação entre esclerose múltipla e microbiota intestinal?

Ao que tudo indica, sim. Muitas evidências científicas comprovaram o papel da microbiota intestinal no sistema imunológico. Sabendo que a esclerose múltipla é uma doença autoimune, o desequilíbrio da microbiota poderia ser um dos fatores de risco para seu desenvolvimento e progressão. 

A microbiota intestinal influencia a função imunológica de diversas maneiras. Uma delas é a partir da produção intestinal de serotonina, influenciada pelos metabólitos bacterianos. A serotonina, por sua vez, regula a função de muitos tipos de células imunológicas.

Além disso, a microbiota intestinal possui uma contribuição importante para a regulação da maturação e atividade dos linfócitos T e B. 

Uma quebra da homeostase intestinal, devido à disbiose, pode resultar em respostas imunitárias desreguladas. Como consequência, ocorre a neuroinflamação e autoimunidade do sistema nervoso central, característicos da esclerose múltipla.

Em termos práticos, algumas pesquisas buscaram entender se a microbiota intestinal está realmente alterada em pacientes com EM. Veja a seguir.

Como é a microbiota intestinal no paciente com esclerose múltipla?

De modo geral, as alterações no microbioma de esclerose múltipla incluem a falta de bactérias protetoras, e uma superabundância de bactérias promotoras da doença. Apesar disso, os resultados científicos são diversos, dificultando conclusões firmes. 

Recentemente, foi conduzida uma revisão sistemática envolvendo 12 artigos, com 570 pacientes de esclerose múltipla e 478 pacientes saudáveis (controles). 

Nos participantes com EM, observou-se uma diminuição no filo Firmicutes e um aumento no filo Bacteroides. Esses filos são produtores de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) com funções imunorreguladoras e, portanto, suas alterações afetam a EM. 

Também encontrou-se uma diminuição nos gêneros Bifidobacterium, Roseburia, Coprococcus, Butyricicoccus, Lachnospira, Dorea, Faecalibacterium e Prevotella. Muitos destes estão envolvidos na regulação da resposta imune e na produção de AGCC. De fato, os níveis séricos de butirato (um AGCC) estavam diminuídos.

Em contraste, foi demonstrado um aumento de Akkermansia, Blautia e Ruminococcus. A Akkermansia tem efeitos imunorreguladores, mas também pode causar inflamação intestinal. Já o Blautia pode impulsionar a liberação de insulina e promover síndromes metabólicas.

Finalmente, Ruminococcus desempenha um papel importante na produção de AGCC e na diminuição da inflamação, mas algumas espécies podem aumentar as condições inflamatórias.

Implicações terapêuticas desta relação 

Dada a influência da microbiota intestinal na função imunitária, e as crescentes evidências de disbiose nas doenças neuroinflamatórias, intervenções direcionadas para normalizar a microbiota intestinal são promissoras como agentes terapêuticos na esclerose múltipla. 

No âmbito da alimentação, foram propostas algumas intervenções capazes de reduzir a inflamação e promover a melhoria clínica da EM, como dieta cetogênica, dieta anti-inflamatória, dieta paleolítica modificada e jejum intermitente, embora mais estudos sejam necessários.

Em uma investigação com 100 pacientes de esclerose múltipla, a dieta anti-inflamatória  (baseada em frutas, vegetais, proteínas magras, nozes, sementes e gorduras saudáveis) trouxe melhorias na fadiga e nos componentes físicos e mentais da escala de qualidade de vida. Além disso, houve um aumento dos níveis séricos da citocina anti-inflamatória IL-4.

Outra estratégia promissora é a suplementação com probióticos. Estudos pré-clínicos sugeriram efeitos benéficos na redução da incidência e gravidade da EM, retardando a sua progressão e melhorando o comprometimento da função motora.

Por fim, o procedimento do transplante de microbiota fecal, proveniente de um doador saudável através de colonoscopia, também é considerável. Entretanto, essa prática possui limitações quanto à reprodutibilidade, escalabilidade e segurança. 

Conclusão

Em resumo, a esclerose múltipla e a microbiota intestinal parecem estar interligadas de maneira significativa. A disbiose intestinal pode influenciar a resposta imunológica e contribuir para o desenvolvimento e progressão da EM. 

Nesse cenário, a maioria das bactérias alteradas são produtoras de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), o que pode explicar a inflamação crônica que caracteriza esta doença. 

No entanto, apesar das evidências crescentes, permanecem lacunas na compreensão dos mecanismos exatos envolvidos nessa relação. Ainda são necessárias mais pesquisas que desvendem essa associação, bem como abordagens terapêuticas efetivas para seu tratamento.

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Referências:

Correale, J., Hohlfeld, R. & Baranzini, S.E. The role of the gut microbiota in multiple sclerosis. Nat Rev Neurol 18, 544–558 (2022). https://doi.org/10.1038/s41582-022-00697-8.

Ordoñez-Rodriguez A, Roman P, Rueda-Ruzafa L, Campos-Rios A, Cardona D. Changes in Gut Microbiota and Multiple Sclerosis: A Systematic Review. Int J Environ Res Public Health. 2023 Mar 6;20(5):4624. doi: 10.3390/ijerph20054624. PMID: 36901634; PMCID: PMC10001679.

 

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