Programas de intervenção nutricional podem reduzir os fatores de risco e prevenir as doenças mentais.
Alimentação equilibrada é considerada fundamental para um bom estado de saúde física. A nutrição ineficiente está relacionada a diversas doenças crônicas não transmissíveis, podendo também influenciar no aparecimento e progressão de doenças mentais e problemas comportamentais.
A dieta pode contribuir para a eficiência terapêutica em diversos estados psicopatológicos, e o papel de nutrientes específicos tem sido estudado em intervenções dirigidas a transtornos mentais comuns. Nesse sentido, considera-se que programas de intervenção nutricional podem reduzir os fatores de risco modificáveis e atuar na prevenção de doenças desta natureza.
Dieta e Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade
O transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) é um transtorno crônico do neurodesenvolvimento, que resulta de interações complexas entre fatores genéticos, biológicos e ambientais. O tratamento clássico combina fármacos psicoestimulantes e terapia psicológica, que são eficazes a curto prazo, mas podem falhar em longo prazo. Intervenções alternativas se focam nos gatilhos subjacentes, como estresse, sono ruim, superestimulação e alimentação.
A influência da ingestão alimentar no comportamento de crianças com TDAH já era descrita no início do século XX e, desde então, estudos mostram que a nutrição é um forte mediador e/ou moderador dos sintomas de TDAH. A manipulação dietética pode influenciar os sintomas desta condição tanto por eliminação de componentes alimentares quanto por suplementação de nutrientes específicos.
A dieta oligoantigênica que reduz consideravelmente alimentos alergênicos foi realizada pela primeira vez em 1983 por Egger et al. Essa estratégia reduziu sintomas de TDAH em grande parte dos pacientes, e a reexposição aos alimentos causou o reaparecimento ou intensificou os sintomas do TDAH. Dentre os alimentos mais associados a sintomas, destacam-se: leite e derivados, milho, trigo, cacau, ovo, páprica, especiarias, ameixa, aveia, tomate, brócolis, melancia, manga, laranja, soja, leites sem lactose, cafeína, fermento, glutamato, amendoim, dentre outros. Intervenções alternativas também consideram exclusão de corantes alimentares artificiais, e sugerem que a hipersensibilidade pode ser alérgica (mediado por IgE) ou não. Diretrizes Europeias recomendam dietas de eliminação para crianças com TDAH com histórico de reações adversas a alimentos, mas a dieta oligoantigênica parece beneficiar até mesmo quem não possui reação adversa a alimentos.
Estudos sobre TDAH observaram que certos tipos de alimentos podem piorar sintomas de déficit de atenção, hiperatividade e impulsividade. Por outro lado, planos alimentares adequados podem otimizar as funções cerebrais utilizando vitaminas, minerais e ácidos graxos.
Embora os benefícios possam ser diferentes para subgrupos de pacientes com perfis diferentes, a suplementação de ferro e zinco pode atuar na progressão do TDAH em crianças e adolescentes, pois baixos níveis destes nutrientes foram associados a maior ocorrência de sintomas como capacidade de atenção e comportamento de hiperatividade, o que sugere mediação de uma via do sistema dopaminérgico.
A suplementação de zinco contribuiu para melhorias na maioria dos casos de TDAH, mas a suplementação de ferro ainda é inconsistente, e seus benefícios parecem estar centrados em crianças com baixos estoques de ferritina/ferro. Nesses casos, a restauração de níveis adequados favorece a resposta aos psicoestimulantes usados na intervenção médica.
Efeitos de ácidos graxos poli-insaturados (ômega 3 e 6) não são claros sobre aspectos comportamentais e de qualidade de vida em TDAH, mas os resultados devem ser considerados com cautela, pois há discrepâncias importantes nas metodologias e ferramentas de avaliação dos estudos.
A exposição à cafeína pode influenciar o TDAH de forma aguda ou crônica, ao impactar vias neuronais moduladoras do sistema nervoso central. Supõe-se a existência de uma ligação entre a modulação de neurotransmissores e o desenvolvimento/atenuação de desfechos neuropsiquiátricos. Doses não tóxicas de cafeína provocam ações neurofarmacológicas bloqueando os receptores de adenosina A no cérebro, o que leva a diminuição da liberação de adenosina. Assim, a cafeína pode impactar os sintomas específicos de distúrbios neurológicos, podendo aumentar níveis de atenção e melhorar a capacidade de aprendizado, memória e discriminação olfativa, sem alterar a pressão arterial.
Dieta e Transtorno do Espectro Autista
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) constitui um amplo espectro complexo de condições de neurodesenvolvimento que afetam as funções cerebrais, particularmente as áreas de habilidades de comunicação e interação social. Esta condição pode afetar severamente o apetite e as escolhas alimentares, que podem incluir: ingestão de uma quantidade inadequada de alimentos pela dificuldade em se concentrar em um sabor concreto por um longo tempo, ou em comer uma refeição completa; alta sensibilidade ao sabor, cheiro, cor ou textura dos alimentos, acompanhada da limitação de alimentos específicos ou grupos de alimentos por fortes aversões alimentares; interações medicamentosas que podem diminuir o apetite e/ou afetar a absorção de determinados elementos (como minerais e vitaminas); e a tendência de diminuir a ingestão à medida que passam da primeira infância para a segunda infância. Acumular alimentos na boca, sofrer engasgos/vômitos devido a alimentos que não gostam, resistência para sentar-se durante as refeições ou recusa de hábitos alimentares sociais, cheirar/inspecionar os próprios alimentos e dos outros e ingerir alimentos dos outros pratos também são problemas comportamentais frequentes.
Pacientes com TEA podem apresentar menor tolerância por alimentos sólidos, maior consumo de energia, gordura e gordura saturada, cereais e massas; e menor ingestão de carne magra, ovos, fibras, ferro, iodo e algumas vitaminas. Desta maneira, esses indivíduos podem se beneficiar do monitoramento nutricional adequado e, se necessário, da introdução de suplementos em sua dieta.
Intervenções como extinção de fuga, técnicas de desvanecimento e reforço positivo, usadas para tratar comportamentos alimentares disfuncionais dentro do TEA, visam aumentar o volume de alimentos consumidos. Entretanto, poucas estratégias consideram aumento da variedade de alimentos ou consideram deficiências de micronutrientes, que podem comprometer seriamente o desenvolvimento. O escorbuto, por exemplo, pode ocorrer devido baixa ingestão de vitaminas e limitar o crescimento ósseo.
Restrições alimentares impostas pelos pais/cuidadores também são geralmente utilizadas como ferramenta terapêutica para melhorar o comportamento e os sintomas gastrointestinais, mas dietas que eliminam glúten ou caseína por exemplo, podem intensificar a vulnerabilidade alimentar de indivíduos com TEA.
Desta maneira, intervenções multicomponentes podem proporcionar uma alimentação mais equilibrada dentro do TEA.
Leia também: Quais as evidências do ácido graxo ômega-3 nos déficits neurológicos?
Referências
Granero, R. Role of Nutrition and Diet on Healthy Mental State. Nutrients 2022, 14, 750. https://doi.org/10.3390/ nu14040750
Stevenson J, Buitelaar J, Cortese S, Ferrin M, Konofal E, Lecendreux M, Simonoff E, Wong IC, Sonuga-Barke E. Research review: the role of diet in the treatment of attention-deficit/hyperactivity disorder–an appraisal of the evidence on efficacy and recommendations on the design of future studies. J Child Psychol Psychiatry. 2014 May;55(5):416-27. doi: 10.1111/jcpp.12215.
Yorgidis, Elena et al. “Individual Behavioral Reactions in the Context of Food Sensitivities in Children with Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder before and after an Oligoantigenic Diet.” Nutrients vol. 13,8 2598. 28 Jul. 2021, doi:10.3390/nu13082598
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