Nutrição enteral contínua e os efeitos durante extubação de paciente em UTI

Postado em 29 de maio de 2023

Estudo avalia segurança e eficácia da nutrição enteral contínua até a extubação, comparada ao jejum antes da extubação em pacientes na UTI.

A extubação é um procedimento essencial na terapia intensiva para a recuperação de pacientes críticos. No entanto, ela pode estar associada a riscos, como disfunção orofaríngea e aspiração de conteúdo gástrico.

A falha na extubação e a necessidade de reintubação também são comuns, bem como a ocorrência de pneumonia nosocomial.

Para favorecer o esvaziamento gástrico, muitos profissionais impõem um período de jejum enteral, o que pode levar a possíveis riscos. Nesse contexto, o estudo abordou a prática clínica na UTI, segurança e os cuidados prestados a pacientes em estado crítico e a comparação da nutrição enteral contínua até a extubação com o jejum antes da extubação em pacientes na unidade de terapia intensiva.

nutrição enteral na extubação

Foto: .shutterstock.com

Método de estudo

O estudo foi realizado em ensaio pragmático, aberto, randomizado em cluster (sem crossover), paralelo e de não inferioridade em 22 unidades de terapia intensiva na França.

Os participantes foram selecionados de acordo com os critérios pré-estabelecidos: que tivessem 18 anos ou mais, recebido ventilação mecânica invasiva por pelo menos 48 horas na UTI e nutrição enteral pré-pilórica por pelo menos 24 horas no momento da decisão de extubação.

– Nos grupos designados para continuação da nutrição enteral até a extubação: a nutrição enteral foi mantida até a extubação, sem alterar a taxa de fluxo e sem sucção via sonda gástrica antes, durante ou após a extubação.

– Nos grupos designados para jejum antes da extubação: uma estratégia de vacuidade gástrica máxima foi implementada, pelo menos 6 horas antes da extubação planejada, compreendendo uma interrupção da nutrição enteral e sucção contínua via sonda gástrica.

Em ambos os grupos, após a extubação, a escolha de manter a sonda gástrica, a condução da nutrição via sonda gástrica e a via parenteral ou oral foram deixadas à discrição do médico assistente.

– Desfecho primário: falha na extubação, definida como um critério composto de reintubação ou morte, dentro de 7 dias após a extubação.

– Desfecho secundário: hipoglicemia e hiperglicemia, pneumonia nosocomial, carga de trabalho da enfermagem mais alta, duração da estadia na unidade de terapia intensiva e maior risco de mortalidade.

Foram realizadas análises de acordo com o plano de análise estatística pré-estabelecido, levando em consideração os princípios de intenção de tratamento e “por protocolo” (nenhuma interrupção da nutrição por mais de 30 minutos ou redução da taxa de fluxo de nutrição em mais de 50%, e nenhuma interrupção da sucção do tubo gástrico por mais de 30 minutos).

O estudo aconteceu no período de 1 de abril de 2018 a 31 de outubro de 2019 e foram incluídas 22 unidades de terapia intensiva (agrupamentos), sendo atribuídas aleatoriamente:

 Grupo de jejumGrupo de nutrição enteral contínua
UTIs 2 médicas, 2 cirúrgicas e 7 médico-cirúrgicas4 médicas, 1 cirúrgica, 6 médico-cirúrgicas
Pacientes admitidos (recebendo nutrição enteral e ventilação mecânica)3223 pacientes3833 pacientes
Pacientes avaliados para elegibilidade1856 pacientes2342 pacientes
Pacientes designados para os grupos de intenção de tratamento513 pacientes para o grupo de jejum617 pacientes para o grupo de nutrição enteral contínua
Pacientes incluídos nos grupos de “por protocolo”413 pacientes595 pacientes

Resultados do uso da nutrição enteral até a extubação

As características basais dos pacientes nos dois grupos foram semelhantes, bem como as características antes da extubação (exceto pela administração de esteroides para prevenir edema laríngeo, que foi mais frequente no grupo de jejum) e a duração da ventilação mecânica antes da extubação.

O uso de oxigenoterapia não planejada ou ventilação não invasiva não planejada (oxigenoterapia curativa) dentro de 7 dias após a extubação, não diferiu significativamente entre os dois grupos de estudos.

A incidência de hipoglicemia e de hiperglicemia em outros momentos também se manteve semelhante.

O estudo apresentou diferenças significativas em alguns aspectos relevantes, conforme tabela:

Aspectos avaliados nos pacientesGrupo de jejumGrupo de nutrição enteral contínua
Com tosse fraca ou ineficaz161 pacientes112 pacientes
Com um ou mais fatores de risco para falha na extubação (derrame, doença neuromuscular, infecção do SNC, trauma craniano grave, disfunção diafragmática, etc.)197 pacientes217 pacientes
Aprovados no primeiro teste respiratório espontâneo374 pacientes395 pacientes
Volume mediano de conteúdo gástrico aspirado nas 6 horas antes da extubação20 mL375 mL
Ingestão calórica no dia da extubação700 Kcal880 Kcal
Grupo de intenção de tratamento: falha de extubação (após 7 dias)90 pacientes106 pacientes
Grupo de “por protocolo”: falha de extubação ( após 7 dias)74 pacientes101 pacientes
Óbito (sem reintubação)9 pacientes11 pacientes
Com incidência de pneumonia nosocomial (após a extubação)13 pacientes10 pacientes
Duração mediana desde a primeira tentativa bem-sucedida de respiração espontânea até a extubação17,6 h2,0 h
Duração mediana desde a primeira tentativa bem-sucedida de respiração espontânea até a alta da UTI6,6 dias4,0 dias
Com aspiração (reintubados)15 pacientes8 pacientes
Óbito na UTI35 pacientes24 pacientes
Com taquipneia (após 7 dias da extubação)277 pacientes364 pacientes
Falhas de extubação (em 48 horas)44 pacientes77 pacientes
Falhas de extubação (em 72 horas)54 pacientes91 pacientes
Com hipoglicemia no dia da extubação16 pacientes2 pacientes
Com hiperglicemia no dia anterior à extubação136 pacientes113 pacientes

Conclusão

O estudo comparou a eficácia da nutrição enteral contínua até a extubação versus o jejum de 6 horas antes da extubação em pacientes em UTI. Os resultados mostraram que a estratégia de nutrição enteral contínua não foi inferior ao jejum, resultando em tempo de internação mais curto na UTI, menos episódios de hipoglicemia e hiperglicemia, e até mesmo redução na taxa de mortalidade.

Embora a taxa de falha precoce na extubação tenha sido maior no grupo de nutrição enteral contínua, a significância clínica deste resultado é questionável, dada a taxa de falha na extubação semelhante observada em ambos os grupos após 7 dias.

A baixa ingestão calórica após a extubação em ambos os grupos reforça a validade da estratégia de nutrição enteral contínua até a extubação.

Os resultados mostram que a nutrição enteral contínua é segura e pode até reduzir a mortalidade e tempo de internação, mas ainda há incertezas sobre os mecanismos diretos e indiretos que ligam o jejum e a nutrição aos desfechos secundários, além de apresentar algumas limitações que poderiam ter influenciado os resultados (os pacientes do grupo de jejum eram em média 2 anos mais velhos e apresentavam tosse fraca ou ineficaz com maior frequência do que aqueles no grupo de nutrição enteral contínua, enquanto os pacientes no grupo de nutrição enteral contínua estavam mais gravemente enfermos).

Este estudo concluiu que a nutrição enteral contínua até a extubação na UTI é tão segura quanto a estratégia de jejum de 6 horas antes da extubação. A não inferioridade da nutrição enteral contínua até a extubação em relação à falha na extubação dentro de 7 dias apoia a mudança na prática clínica em direção a essa alternativa segura.

Para ler o estudo completo, clique aqui.

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Referência:

Landais Mickaël, Nay Mai-Anh, Auchabie Johann; et al. Continued enteral nutrition until extubation compared with fasting before extubation in patients in the intensive care unit: an open-label, cluster-randomised, parallel-group, non-inferiority trial. The Lancet vol. 11, issue 4, P319-328, 2023.

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