É comum muitos pais relatarem que seus filhos apresentam um apetite exagerado e comem demasiadamente.…
A ciência aponta diferentes “tipos” de obesidade. Saiba quais são eles, e o tratamento farmacológico indicado para cada um.
Nos últimos 50 anos, o número de pessoas com obesidade triplicou, com mais de 1 bilhão de indivíduos afetados mundialmente. Números como estes mostram a necessidade urgente de uma abordagem mais eficaz e personalizada para combater essa pandemia. Nesse cenário, uma nova abordagem, baseada nos fenótipos da obesidade, vem se mostrando promissora.
Mas afinal, quais são os fenótipos da obesidade, e como eles impactam no seu tratamento individualizado? Seria esta uma revolução no campo da medicina de precisão? As respostas para estas e outras perguntas, você confere a seguir.
Em primeiro lugar, o que é um “fenótipo”?
Um fenótipo é a expressão física e observável de características genéticas de um organismo. Em termos simples, é como um organismo se parece ou se comporta devido à interação entre seu genótipo (seu código genético) e o ambiente em que vive.
No contexto da obesidade, o fenótipo se refere às características físicas e metabólicas relacionadas ao excesso de gordura corporal. O fenótipo da obesidade pode variar de pessoa para pessoa com base em fatores genéticos, estilo de vida, dieta, níveis de atividade física e outros fatores ambientais.
Fenótipos da obesidade: diferentes abordagens
Na ciência, as descrições dos fenótipos da obesidade podem variar. De modo geral, alguns trabalhos científicos classificam os fenótipos de acordo com a composição corporal e o estado metabólico, em contraste com a classificação somente pelo IMC (que apresenta diversas limitações). São eles:
- Peso normal com metabolismo não saudável (‘MUNW’ na sigla em inglês)
- Sobrepeso/obesidade metabolicamente saudável (MHO)
- Sobrepeso/obesidade metabolicamente não saudável (MUO)
- Obesidade sarcopênica (SO)
A tabela abaixo apresenta as manifestações antropométricas e metabólicas comuns a cada um destes fenótipos.
Peso normal com metabolismo não saudável | Sobrepeso/obesidade metabolicamente saudável | Sobrepeso/obesidade metabolicamente não saudável | Obesidade sarcopênica | |
Circunferência da cintura | Normal ou alta | Normal | Alta | CC Alta e/ou IMC >25 |
IMC (kg/m²) | 18.5 a 24.9 | >25 | >25 | CC Alta e/ou IMC >25 |
Tecido adiposo visceral | Elevado | Baixo | Elevado | Elevado |
Massa magra | – | Elevada | – | Baixa |
Anormalidades metabólicas | Presente | Ausente | Presente | Presente |
Em contraste a essa classificação, uma pesquisa científica de 2021 propôs novos olhares para os fenótipos da obesidade.
De forma inovadora, o estudo reuniu 450 participantes com obesidade, investigando não só a composição corporal, como também a saciedade, o comportamento alimentar e o gasto energético.
A seguir, confira os fenótipos da obesidade que estão sendo considerados, bem como as propostas de tratamento para cada um deles, segundo a medicina de precisão.
Quais são os fenótipos da obesidade?
1. Cérebro faminto
O primeiro fenótipo identificado é o do “cérebro faminto”, também conhecido como “saciação anormal”.
Neste caso, necessita-se de uma quantidade anormal de calorias para que o indivíduo atinja a plenitude, ou seja, sinta-se saciado. Em outras palavras, os processos fisiológicos que promovem o término da refeição estão alterados, e os indivíduos consomem cerca de 62% mais calorias que o normal.
Neste fenótipo, o problema está no eixo intestino-cérebro, e tem como causa a perfusão cerebral hipotalâmica anormal (padrão anormal de fluxo sanguíneo no hipotálamo).
Em relação ao tratamento, esses pacientes podem se beneficiar com a modulação das vias adrenérgica e GABAérgica, através de medicamentos supressores do apetite (como a fentermina-topiramato), utilizados de acordo com prescrição e acompanhamento médico .
2. Intestino faminto
O segundo fenótipo da obesidade é o do “intestino faminto” ou “saciedade anormal”.
Diferente da saciação, a saciedade diz respeito aos eventos pós-prandiais que determinam o momento para a próxima refeição. Ou seja, ela determina a duração da plenitude gástrica, e, consequentemente, o retorno da fome pós-prandial.
Sendo assim, o indivíduo com “intestino faminto” volta a sentir fome mais rápido que o normal, pois o conteúdo do estômago esvazia-se 31% mais rápido. A causa para este fenômeno é uma uma disfunção das células enteroendócrinas intestinais.
No tratamento destes indivíduos, é vantajoso o uso de medicamentos que retardem o esvaziamento gástrico e reduzam a fome entre as refeições. Um exemplo são os agonistas do receptor GLP-1, como a liraglutida e a semaglutida.
3. Alimentação emocional
Em geral, a ingestão de calorias é determinada pelo comportamento alimentar homeostático (com controle do eixo-intestino-cérebro, descrito anteriormente) e pelo comportamento alimentar hedônico (desejo de comer para obter prazer).
Nos indivíduos com fenótipo de “alimentação emocional”, o comportamento hedônico está desregulado, mesmo que os processos de saciação e saciedade estejam normais. Este fenótipo se associa a um padrão de fluxo sanguíneo anormal no núcleo accumbens cerebral.
Sendo assim, a manifestação da fome emocional se dá pelo desejo descontrolado de comer para lidar com emoções positivas ou negativas, em busca de recompensas. Em pesquisa, pacientes com alimentação emocional relatam níveis 2.8 vezes maiores de ansiedade.
Pacientes com alimentação emocional podem se beneficiar de medicamentos que modulem os sistemas de recompensa do cérebro, como naltrexona/bupropiona.
4. Gasto energético reduzido
O último fenótipo da obesidade é o de gasto energético reduzido. Este é subtipo mais simples de definir, caracterizado, basicamente, pelo gasto energético de repouso (GER) diminuído em cerca de 12%.
Caso o indivíduo não realize atividades físicas, os processos que levam à obesidade são facilitados, levando também a uma menor massa muscular.
No estudo que levou ao reconhecimento deste fenótipo, os autores administraram a fentermina, medicamento supressor do apetite, que também pode aumentar a energia e o metabolismo.
Fortalezas e limitações desta nova abordagem
Como visto, a estratificação de pacientes com obesidade, baseado em seus fenótipos, facilita o tratamento farmacológico individualizado destes indivíduos. Para cada subtipo da doença, um determinado medicamento pode atuar especificamente na causa do problema, trazendo resultados surpreendentes.
De fato, na investigação que identificou estas classificações, a perda de peso média nos pacientes guiados por fenótipos foi de 15,9%, após 12 meses de terapia. Já no grupo não guiado por fenótipo, este valor foi de 9%.
E não para por aí: a taxa de falha, definida como menos de 5% de perda de peso, foi de apenas 2% no grupo guiado por fenótipo, contra 26% no grupo não guiado.
Entretanto, algumas limitações ainda estão presentes nesta abordagem. Em primeiro lugar, 15% dos pacientes não se enquadram em nenhum dos fenótipos, enquanto 27% se encaixaram em mais de um.
Ademais, os estudos ainda são escassos, contando com alguns critérios de qualidade deficientes (como o pequeno número de participantes). Também, fatores importantes como o perfil de microbiota, níveis de leptina e insulina não estão sendo considerados, e podem fazer a diferença na estratificação e gestão de obesidade.
Por fim, não podemos esquecer da importância de um estilo de vida saudável como parte integrante da terapia da obesidade e da promoção da saúde em geral. Fatores como alimentação saudável, exercício físico regular e cuidados psicológicos (principalmente no caso da fome emocional), ainda são primordiais no combate à doença.
Conclusão
Em resumo, os fenótipos da obesidade representam uma perspectiva promissora na jornada rumo a um tratamento farmacológico personalizado da obesidade, atacando a raiz do problema.
Embora apresente certas limitações, essa abordagem oferece uma nova luz na busca por soluções mais eficazes e duradouras para uma das maiores epidemias de saúde pública da atualidade.
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Referências:
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A Redação Nutritotal PRO é formada por nutricionistas, médicos e estudantes de nutrição que têm a preocupação de produzir conteúdos atuais, baseados em evidência científicas, sempre com o objetivo de facilitar a prática clínica de profissionais da área da saúde.
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