Caquexia em câncer: como avaliar?

Postado em 30 de janeiro de 2023

Com diferentes estágios de avanço, a caquexia está presente em metade dos pacientes com câncer.

Em pacientes com câncer, a caquexia é uma condição altamente prevalente. Decorrente da perda de peso e da depleção de estoques de gordura e massa muscular, a caquexia está presente em cerca de 50% dos pacientes oncológicos.

Caquexia em câncer

Por ser uma condição complexa e com alguns sintomas “subjetivos”, a avaliação da caquexia pode ser dificultada. Por estes motivos, a caquexia é subdiagnosticada e subtratada, prejudicando a qualidade de vida dos pacientes com câncer.

Neste artigo, você irá aprender o que é a caquexia, quais são seus subtipos e como avaliá-la.

O que é caquexia e quais os sintomas?

A caquexia é uma síndrome multifatorial, definida pela desnutrição decorrente de alterações metabólicas relacionadas à presença de doenças. 

Os principais sintomas da caquexia são:

  • Perda de apetite (saciedade precoce)
  • Perda de peso/anorexia
  • Perda de massa muscular
  • Náuseas
  • Distensão abdominal
  • Alterações no paladar 
  • Xerostomia (boca seca)
  • Disfagia
  • Constipação
  • Fadiga
  • Inatividade
  • Perda de concentração

Em pacientes com câncer, a fisiopatologia da caquexia se dá por múltiplos componentes. Em primeiro lugar, os sintomas da doença e de seus tratamentos prejudicam a ingestão de alimentos. Além disso, as alterações metabólicas do câncer incluem desregulação neuro-hormonal, gasto energético elevado e aumento do catabolismo. Todos esses fatores favorecem a desnutrição.

Como consequência, pacientes caquéticos estão mais propensos à toxicidade relacionada ao tratamento, menor qualidade de vida, aumento de complicações cirúrgicas e maior mortalidade.

Quais os tipos de caquexia?

A caquexia não é uma condição estável, podendo evoluir com o tempo. De acordo com o consenso internacional, a caquexia em câncer pode ser categorizada em três fases: pré-caquexia, caquexia e caquexia refratária.

A pré-caquexia ocorre quando há uma perda de peso mínima (2 a 5%), com sinais clínicos e metabólicos preditivos de perda de peso futura, como anorexia, resistência à insulina, inflamação sistêmica e hipogonadismo. Ainda não há critérios diagnósticos consensuais para a pré-caquexia, mas a intervenção precoce é indicada para um prognóstico favorável.

A caquexia, por sua vez, é identificada quando a desnutrição já está presente, e é diagnosticada por uma ferramenta de triagem para desnutrição, associada à inflamação sistêmica e ao menos um critério fenotípico. 

Segundo os critérios da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO), a caquexia é descrita quando há:

  • Perda de peso superior a 5% nos últimos 6 meses; ou
  • IMC < 20 kg/m² com perda de peso contínua (> 2%); ou
  • Depleção de massa muscular (sarcopenia) e perda de peso > 2%.

Por fim, a caquexia refratária é conceituada como um catabolismo clinicamente resistente à terapia anticancerígena, com baixo desempenho funcional, câncer progressivo e expectativa de vida menor que 3 meses. Neste estágio, a intervenção excessiva pode aumentar a sobrecarga do paciente, e cuidados paliativos podem ser indicados.

Como avaliar caquexia?

A fim de orientar o melhor tratamento para cada paciente, a Sociedade Europeia de Oncologia Médica (ESMO) apresenta um passo-a-passo de triagem e avaliação da caquexia, descrito a seguir.

Triagem do risco de desnutrição

Em primeiro lugar, a triagem de risco nutricional deve ser realizada de forma regular em todos os pacientes oncológicos submetidos ao tratamento neoplásico, e naqueles com sobrevida superior a 3 ou 6 meses. 

Embora não haja um acordo geral sobre a melhor ferramenta, são sugeridas: MUST, NRS-2002, SNAQ, MST e PG-SGA. 

Já para pacientes com sobrevida menor que 3 meses, a triagem deve se voltar para a investigação de distúrbios relacionados à alimentação. 

Avaliação do estado nutricional

Após a realização da etapa anterior, os pacientes em risco nutricional devem ser submetidos a uma avaliação mais aprofundada. Os parâmetros a serem avaliados devem incluir estado nutricional, metabólico, funcional, sintomas psicossociais, entre outros.

Na tabela abaixo, descreve-se os fatores a avaliar no paciente com caquexia, bem como as ferramentas recomendadas pela Sociedade Europeia de Oncologia Médica (ESMO). 

CategoriaParâmetro a ser avaliadoFerramentas recomendadas
Estado nutricionalEstado corporalPeso corporal
Perda de peso% do peso saudável
Ingestão alimentar% da quantidade necessária ingerida
Ingestão energética e proteicakcal/kg/dia, g/kg/dia
Deficiências nutricionaisDiário alimentar, R24h, análise por software de nutrição
Composição corporalBioimpedância, tomografia, DEXA
Estado metabólicoInflamação sistêmicaPontuação Prognóstica de Glasgow Modificada
Gasto energéticoCalorimetria indireta
Estado funcionalDesempenho físicoÍndice ECOG/OMS
Atividade físicaAtividades do dia-a-dia
DependênciaPontuação de dependência de Northwick Park
Força de pressãoDinamômetro
Velocidade da marchaTeste de velocidade da marcha de 4 m
Barreiras nutricionaisSintomas de impacto nutricionalPG-SGA, lista de verificação de impacto nutricional
Disfunções do TGIMastigação, paladar, deglutição, motilidade intestinal, constipação, diarréia, estenose, má absorçãoEntrevista diagnóstica, exames de imagem, testes funcionais, escalas visuais analógicas
Sintomas psicossociaisAvaliação de sintomas e fatores de risco (cognição, emoção, depressão)Sistema de Avaliação de Sintomas de Edmonton
Avaliação psicossocialAvaliação Funcional do Tratamento da Anorexia/Caquexia (FAACT),

Questionário de qualidade de vida específico para caquexia (QLQ-CAX24)

Eventos adversos da medicaçãoPossíveis efeitos adversos no apetite, trato GI, sistema nervoso central, fadigaAconselhamento farmacológico
Estado do tumorExtensão e atividade da doença cancerígena, probabilidade de resposta ao tratamento anticancerígenoAconselhamento oncológico

 

Recomenda-se a repetição de avaliações nutricionais em intervalos regulares, geralmente mensalmente.

Como tratar a caquexia?

Após a triagem e avaliação dos parâmetros relacionados à caquexia, deve-se iniciar uma intervenção individualizada de acordo com os resultados advindos da avaliação.

O manejo da caquexia pode ser composto por tratamento anticancerígeno, atividade física supervisionada, intervenções nutricionais, apoio psicológico e prescrição de fármacos. 

Além disso, deve-se considerar o status de desenvolvimento da caquexia e a expectativa de vida do paciente, para não sobrecarregá-lo com intervenções exaustivas e desnecessárias.  

No quadro abaixo, a Sociedade Europeia de Oncologia Médica (ESMO) apresenta o foco do cuidado de acordo com a expectativa de vida do paciente.

Expectativa de sobrevivênciaFoco do cuidado
Mais que alguns meses (3 a 6)Avaliação/triagem regular e intervenções personalizadas
Menos que alguns meses (3 a 6)Diminuição da invasividade das intervenções, preferência por aconselhamento e suplementos nutricionais orais (SNO)
Menos que algumas semanasCuidados direcionados ao conforto, alívio do sofrimento relacionado à alimentação e à sede

Para saber mais sobre o manejo da caquexia, leia: Diretriz para Manejo da Caquexia.

Conclusão

A caquexia é uma condição complexa, com diversos fatores envolvidos. Justamente por isso, sua avaliação deve ser multicomponente, com o objetivo de guiar o melhor tratamento, e assim melhorar a qualidade de vida dos pacientes que apresentam a condição.

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Referências:

ROELAND, Eric J. et al. Management of cancer cachexia: ASCO guideline. Journal of Clinical Oncology, v. 38, n. 21, p. 2438-2453, 2020.

ARENDS, Jann et al. Cancer cachexia in adult patients: ESMO Clinical Practice Guidelines. ESMO open, v. 6, n. 3, 2021.

NISHIKAWA, Hiroki et al. Cancer cachexia: its mechanism and clinical significance. International journal of molecular sciences, v. 22, n. 16, p. 8491, 2021.

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