Como prescrever nutrição parenteral?

Postado em 15 de fevereiro de 2023

A nutrição parenteral é indicada sempre que a via oral ou enteral não for viável

Quando as vias oral e enteral são insuficientes para suprir as necessidades energéticas, a nutrição parenteral é considerada. Mas, para que esta terapia seja eficaz, é necessário que o profissional saiba como prescrevê-la corretamente.

Neste artigo, você irá aprender quando a NP é necessária, além de entender o passo-a-passo para prescrever esta terapia. Vamos lá?

Prescrição de nutrição parenteral

Quais são as indicações para terapia de nutrição parenteral?

De modo geral, a nutrição parenteral é indicada para pacientes que não conseguem ingerir/absorver mais de 60% das necessidades nutricionais por via oral ou enteral.

Outras indicações para terapia de nutrição parenteral (TNP) são:

  • Fístulas enterocutâneas de alto débito
  • Síndrome do Intestino Curto (SIC)
  • Doenças Inflamatórias Intestinais (DII)
  • Obstrução intestinal
  • Hemorragia gastrointestinal persistente
  • Trauma abdominal
  • Íleo paralítico
  • Vômitos persistentes
  • Pancreatites graves
  • Grande queimado
  • Desnutrição grave ou moderada em pacientes internados
  • Pré-operatório em desnutrido grave
  • Mucosite grave
  • Diarreia grave
  • Suboclusão intestinal
  • Doença do enxerto x hospedeiro (GVHD)

E quando iniciar a nutrição parenteral?

A Sociedade Europeia de Nutrição Clínica e Metabolismo (ESPEN) recomenda a NP após 24 a 48 horas. Por outro lado, a ASPEN (Sociedade Americana de Nutrição Enteral e Parenteral) não recomenda iniciar a NP antes de completarem 8 dias de internação, exceto para pacientes que apresentem desnutrição na admissão hospitalar.

Leia também: Nutrição parenteral precoce reduz mortalidade de pacientes críticos

Quando a nutrição parenteral é contraindicada?

Em pacientes críticos, a nutrição parenteral pode ser uma boa solução para manter o estado nutricional e otimizar a sua recuperação.

Entretanto, a nutrição parenteral é contraindicada nos casos descritos a seguir:

  • Pacientes alérgicos a qualquer componente da dieta parenteral
  • Pacientes hemodinamicamente instáveis
  • Hipertrigliceridemia grave ( > 400 mg/dL)
  • Distúrbios de coagulação do sangue
  • Choque agudo
  • Insuficiência cardíaca crônica com retenção hídrica
  • Insuficiência renal crônica sem tratamento dialítico
  • Diabetes mellitus descompensada
  • Infarto agudo do miocárdio
  • Acidente vascular cerebral
  • Embolia

Como prescrever a nutrição parenteral?

Passo 1: Escolha a via de acesso

Em primeiro lugar, é preciso escolher a melhor via de acesso, de acordo com a condição do paciente: a TNP periférica, ou a TNP central.

A nutrição parenteral periférica é indicada para pacientes que necessitem de aporte nutricional por até 2 semanas (14 dias), com incapacidade de acesso venoso central. Sua osmolaridade não ultrapassa 900 mOsm/L, devido ao risco de flebite. Ela pode ser usada em conjunto com a nutrição enteral. Além disso, é mais simples, barata, e apresenta um menor risco de complicações como infecções e trombose.

Já a nutrição parenteral central é indicada para tratamentos superiores à 14 dias, e com possibilidade de administração na veia cava superior ou átrio direito. Usualmente, ela é utilizada como a única forma de alimentação. Sua osmolaridade pode ser superior a 900 mOsm/L. A NP central possui um maior risco de complicações.

Passo 2: Defina a necessidade hídrica

Para pacientes adultos em estado de hidratação normal, a necessidade hídrica é de 30 a 40 mL/kg/dia, ou 1 a 1,5 mL/kcal.

Em pacientes que apresentam perda hídrica (diarréia, vômito, fístulas, ostomias, drenagens, fototerapia), deve ser acrescido o suficiente para compensar as perdas.

Passo 3: Defina a necessidade calórica

Para calcular as necessidades calóricas de cada paciente, a calorimetria indireta é a ferramenta mais indicada. Entretanto, caso não esteja disponível, fórmulas que estimem a necessidade energética são bem-vindas.

De modo geral, recomenda-se o aporte calórico de 20 a 30 kcal/kg/dia — podendo variar de acordo com as condições de cada paciente, como mostramos a seguir:

  • Fase aguda: 20 a 25 kcal/kg/d
  • Fase de remissão: 25 a 30 kcal/kg/d
  • Ausência de enfermidade grave ou síndrome de realimentação: 25 a 35 kcal/kg/d
  • Pacientes com obesidade: 12 a 20 kcal/kg/d, ou 22 a 25 kcal/kg/d com base no peso ideal

Entretanto, para evitar complicações metabólicas, não se deve iniciar com 100% do alvo energético (principalmente em pacientes diabéticos, em jejum prolongado e/ou com risco de síndrome de realimentação).

A oferta deve ser gradativa, não mais que 50% nas primeiras 48 horas. Posteriormente, aumenta-se para o alvo total em 24 a 48h, se não houver anormalidades eletrolíticas.

Passo 4: Defina a necessidade proteica

De modo geral, as necessidades proteicas variam de 10 a 20% do VET. A ASPEN recomenda o seguinte:

  • Pacientes estáveis: 0,8 a 1,5 g/kg/d
  • Pacientes críticos, com trauma ou sepse: 1, a 2,5 g/kg/d

Na tabela a seguir, você confere as recomendações de proteínas para condições específicas de cada paciente.

Doença ou condição clínicaNecessidade proteica (g/kg/d)
Traumatismo craniano1,5 a 2,5
Queimaduras1,5 a 2
Abdome abertoAdicional de 15-30 g/L de exsudato
Lesão renal aguda0,8 a 2
Terapia Renal Substitutiva ContínuaAdicional de 0,2; não exceder 2,5
Insuficiência hepática1,2 a 2 (baseado no peso seco e tolerância)
Pacientes obesos2 a 2,5 (baseado no peso ideal)

Nas fórmulas parenterais, os aminoácidos podem variar a concentração entre 5 a 15%. O mais comum é a concentração de 10%. Além disso, cada grama de aminoácido oferece um aporte calórico de 4 kcal.

Passo 5: Defina a quantidade de carboidratos

Os carboidratos são as principais fontes de energia na nutrição parenteral. A recomendação é que eles ocupem 45 a 60% do VET (cerca de 3 a 5g/kg/dia).  É recomendado o máximo de 7 g/kg/dia de carboidratos para minimizar complicações metabólicas, como a hiperglicemia, as anormalidades no metabolismo hepático e o aumento do trabalho ventilatório.

A glicose é a principal fonte de carboidratos nas dietas parenterais. Enquanto a glicose monohidratada oferece um aporte de 3,4 kcal/g, a glicose anidra oferece 3,85 kcal/g.

Sua concentração nas fórmulas pode ser de 5 a 10% (para acesso periférico) ou 25, 35, 50 ou 70% (para acesso central). O mais comum é que 50% das necessidades calóricas totais sejam provenientes dos carboidratos.

Passo 6: Defina a quantidade de lipídios

Na terapia parenteral, os lipídios são fontes de ácidos graxos essenciais, e possuem efeitos fisiológicos nas reações inflamatórias e imunológicas.

Além disso, pacientes gravemente enfermos podem apresentar menor capacidade de utilização de carboidratos e usar os lipídios como preferência metabólica de energia.

A necessidade nutricional de lipídios pode variar de 0,5 a 2,5 g/kg/d, sendo o mais comum uma taxa entre 1 a 2 g/kg/dia — ou então 20 a 35% do VET. Em pacientes graves, a recomendação máxima é de 1 g/kg/d. Já para a prevenção de DCV, a recomendação diária é <30% do VET.

Nas formulações das dieta parenterais, os lipídios se apresentam na forma de emulsões lipídicas (ELs), nas concentrações de 10% (1,1 kcal/ml) ou 20% (2 kcal/ml). A concentração de 20% deve ser preferida, devido ao menor acúmulo de colesterol e lipoproteínas de baixa densidade.

São diversas as emulsões lipídicas para nutrição parenteral disponíveis comercialmente. Clique aqui para saber mais.

Passo 7: Defina as quantidades de vitaminas, minerais e eletrólitos

Na maioria das situações, as necessidades de vitaminas, minerais e eletrólitos se dão em conformidade com as DRIs. Geralmente, os hospitais disponibilizam ampolas com uma composição padrão destes nutrientes.

Em algumas condições clínicas, porém, a necessidade destes elementos pode estar aumentada. Confira na tabela a seguir.

NutrienteNecessidade diáriaFatores que aumentam a necessidade
Cálcio10 a 15 mEqAlto consumo protéico
Magnésio8 a 20 mEqPerdas gastrointestinais, medicação, síndrome de realimentação
Fósforo20 a 40 mmolAlto consumo de glicose, síndrome de realimentação

 

Sódio1 a 2 mEq/kgDiarréia, vômitos, perdas gastrointestinais
Potássio1 a 2 mEq/kgDiarréia, vômitos, perdas gastrointestinais, medicamentos, síndrome de realimentação
AcetatoO necessário para manter o balanço ácido-baseInsuficiência renal, acidose metabólica, perda de bicarbonato gastrointestinal
CloretoO necessário para manter o balanço ácido-baseAlcalose metabólica, depleção de volume

Leia também: Diretrizes de micronutrientes da ESPEN

Passo 8: Calcule a osmolaridade

Para calcular a osmolaridade da solução de nutrição parenteral, basta aplicar a fórmula a seguir:

Osmolaridade = [5 * (g de glicose)] + [10 * (g de aminoácidos)] + [0,71 * (g de lipídios)] + [1 * (mEq de todos os eletrólitos somados)].

Lembre-se: para administração por via periférica, a osmolaridade não deve ultrapassar 900 mOsm/L.

Passo 9: Calcule o volume da bolsa

Para calcular o volume final da bolsa de nutrição parenteral, é necessário o volume fornecido por cada nutriente. Para um paciente de 80 kg, confira o exemplo a seguir.

Prescrição de dieta parenteral

Passo 10: Calcule a velocidade de infusão

Para calcular a velocidade de infusão da bolsa, basta dividir seu volume total pelas horas administradas, a depender do método de administração. Para administração contínua, por exemplo: 1.840ml / 24h = 76,66 ml/h.

Passo 11: Escolha entre NP padronizada ou individualizada

Após definir as necessidades nutricionais dos pacientes, deve-se prescrever a bolsa de NP mais adequada para a situação: bolsa individualizada ou pronta para uso (padronizada).

As bolsas prontas para uso possuem fórmulas padronizadas, contendo macronutrientes em uma quantidade pré-definida. Elas possuem menores chances de erros de prescrição, e são uma opção segura para centros de saúde com dificuldade de manipulação, recebimento e armazenamento. Entretanto, não possuem vitaminas e oligoelementos, que devem ser prescritos à parte.

Quando um hospital só oferece bolsas padronizadas, cabe ao profissional escolher aquela que mais se adequa à necessidade do paciente.

Já as bolsas individualizadas são formuladas de acordo com as necessidades individuais de cada paciente. No entanto, podem ser mais onerosas.

Após a prescrever a NP, monitore o paciente

Apesar dos benefícios, a nutrição parenteral também apresenta alguns riscos. Sendo assim, a monitorização deve ser frequente. O objetivo é prevenir e reconhecer as complicações o mais cedo possível, a fim de limitar suas consequências.

Para acompanhar clinicamente um paciente em NP, deve-se ter os seguintes cuidados:

  • Exame clínico diário completo (atividade, estado geral, cor da pele e mucosas, hidratação, perfusão periférica, pulsos, respiração, acesso venoso, edemas, etc);
  • Controle de sinais vitais a cada 4 horas;
  • Peso diário;
  • Balanço hídrico;
  • Controle laboratorial.

Leia também: Quais exames devem acompanhar de pacientes com nutrição enteral e parenteral?

Conclusão

Para alguns casos, a nutrição parenteral é essencial. Com os passos descritos aqui, esperamos que fique mais fácil prescrever a melhor forma de NP para os pacientes que a necessitam.

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