Micronutrientes podem regular a função da tireoide?

Postado em 28 de agosto de 2024 | Autor: Rita de Cássia Borges de Castro

Além do iodo, diversas vitaminas e minerais participam da regulação da função tireoidiana.

A glândula tireoide é um órgão endócrino que regula processos fisiológicos importantes para manter a saúde e o bem-estar. Ela é responsável pela síntese e secreção dos hormônios tireoidianos, que estão envolvidos na função de todos os sistemas do corpo.

Nos últimos anos, tem havido um interesse crescente nos efeitos que a nutrição pode ter na função da tireoide. Estudos de pesquisa destacaram, em particular, a influência de diferentes micronutrientes na síntese, metabolismo e função dos hormônios tireoidianos.

função da tireoide

Fonte: Canva

Mas afinal, quais são os micronutrientes essenciais para o bom funcionamento da tireoide? E em casos de disfunções tireoidianos, eles podem ajudar a regular a sua função? Descubra a seguir.

Como acontece a produção de hormônios tireoidianos?

Em primeiro lugar, precisamos entender como a tireoide desempenha o seu principal papel, que é a síntese e secreção dos hormônios tireoidianos, tiroxina (T4) e triiodotironina (T3).

No geral, esse processo envolve seis etapas:

  1. Transporte ativo do iodo por meio da membrana basal para o interior da célula tireoidiana (captação do iodo); 
  2. Oxidação do iodo, na qual ele é incorporado aos resíduos de tirosina na tireoglobulina (TG) (organificação); 
  3. Acoplamento das moléculas de iodotirosina na TG para formar T3 e T4; 
  4. Proteólise da TG, com liberação das tirosinas livres para a circulação; 
  5. Deiodinação das iodotirosinas nas células da tireoide, com conservação e reutilização do iodo liberado; 
  6. 5’-deiodinação intratireoidiana da T4 em T3. 

Quais os nutrientes essenciais para a saúde da tireoide?

Iodo

O iodo é um nutriente essencial para a síntese adequada dos hormônios tireoidianos, sendo absorvido no intestino delgado como íons iodeto e transportado para a tireoide, onde é incorporado em resíduos de tirosina no tiroglobulina, formando os hormônios T3 e T4. Assim, a ingestão adequada de iodo é essencial para a função tireoidiana normal.

Nas situações em que há deficiência de iodo, ocorrem múltiplos efeitos adversos no crescimento e no desenvolvimento, que são chamados de distúrbios por deficiência de iodo (DDIs) e resultam da produção insuficiente de hormônios tireoidianos, incluindo bócio e hipotireoidismo.

Sabendo disso, desde 1950 oficializou-se a obrigatoriedade de adição de iodo no sal de cozinha. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o teor de iodo recomendado no sal é de 15 mg/kg a 45 mg/kg.

Selênio

O selênio é um oligoelemento essencial para o sistema tireoidiano, sendo componente de enzimas como a glutationa peroxidase (GPx) e deiodinases iodotironinas. 

O GPx dependente de selênio ajuda a proteger a tireoide contra o estresse oxidativo. Já as deiodinases convertem T4 em T3, e protegem a tireoide de danos causados pelo excesso de peróxido de hidrogênio (H2O2) produzido durante a síntese hormonal. 

Sendo assim, a deficiência de selênio está relacionada à diminuição dos hormônios tireoidianos e aumento do risco de doenças da tireoide, como hipotireoidismo e doenças autoimunes.

Zinco

A presença de zinco na glândula tireoide é crucial para a atividade da tireoperoxidase (TPO), uma enzima fundamental na síntese dos hormônios tireoidianos. A TPO catalisa a iodação da tireoglobulina e a formação de T4 e T3. Em outras palavras, o zinco está envolvido na conversão do hormônio T4 em T3 metabolicamente ativo

Além disso, este mineral também é importante para o receptor da T3 adotar sua confirmação biologicamente ativa.

A deficiência de Zn pode comprometer a função dos receptores dos hormônios tireoidianos, afetando a capacidade de ligação dos hormônios e a regulação da expressão gênica, o que pode levar a distúrbios nas vias de sinalização dos hormônios tireoidianos e contribuir para o desenvolvimento de hipotireoidismo. 

Cobre

O cobre é um mineral essencial para diversos processos relacionados à síntese e regulação dos hormônios tireoidianos, pois atua como cofator para a tirosinase e está envolvido na conversão de T4 inativa para T3 ativo.

Além disso, o cobre possui características pró-oxidantes e antioxidantes, e está associado à regulação dos níveis de cálcio no corpo, o que previne a absorção excessiva de T4 nas células sanguíneas e é essencial para o funcionamento ótimo da tireoide e regulação hormonal.

A deficiência de cobre está relacionada ao hipotireoidismo. Entretanto, a ingestão excessiva de cobre pode ser prejudicial para a função da tireoide. Um exemplo é a progressão de processos proliferativos na glândula tireoide. 

Ferro

O ferro é um mineral encontrado em inúmeras hemeproteínas, dentre elas a tireoperoxidase (TPO). Esta enzima, expressa exclusivamente pelas células da tireoide, desempenha um papel crucial nas duas primeiras etapas da síntese dos hormônios tireoidianos.

Portanto, baixos níveis de ferro no organismo diminuem a eficiência da TPO, afetando o metabolismo dos hormônios tireoidianos. Assim, hipotireoidismo e estados de deficiência de ferro estão fortemente inter-relacionados

Embora a associação entre deficiência de ferro e autoimunidade tireoidiana não seja totalmente estabelecida, muitos pacientes com tireoidite de Hashimoto (HT) apresentam deficiência de ferro devido a comorbidades, como gastrite autoimune ou doença celíaca, que prejudicam a absorção de ferro. 

Outros

Outros micronutrientes importantes para a função da tireoide incluem:

Vitamina D: relacionada à capacidade de suprimir o sistema imunológico adaptativo e melhorar a tolerância imunológica, podendo ser útil em doenças tireoidianas autoimunes.

– Magnésio: envolvido em várias reações enzimáticas relacionadas à função da tireoide. Pode influenciar a conversão de T4 em T3, e está envolvido na regulação da sensibilidade dos receptores dos hormônios tireoidianos como um segundo mensageiro.

– Vitamina A:  pode influenciar a homeostase da glândula tireoide por meio de múltiplos mecanismos, como a modulação da sensibilidade das células tireoidianas ao TSH.

– Vitamina B12: essencial para a síntese dos hormônios tireoidianos 

A suplementação de micronutrientes pode regular a função da tireoide?

Como visto, diversos micronutrientes atuam em pontos chaves da saúde tireoidiana. Sendo assim, poderia a adequação destes micronutrientes, através da suplementação, regular a função da tireoide em doenças que envolvem sua disfunção? As pesquisas científicas podem ser controversas.

Em um estudo randomizado, duplo-cego e controlado por placebo com 86 pacientes de hipotireidismo, a suplementação de zinco, vitamina A e magnésio ocasionou um aumento significativo no T4L sérico. Segundo os autores, tal estratégia pode ter efeitos benéficos em pacientes com hipotireoidismo e em doenças associadas ao hipertireoidismo.

Já em outra pesquisa com a suplementação de zinco e selênio em pacientes com obesidade, aumentou-se os níveis de Se, mas a função tireoidiana e os níveis de Zn permaneceram inalterados.

Em um ensaio clínico randomizado avaliando a suplementação de zinco em crianças e adolescentes com tireoidite autoimune não encontrou diferenças significativas nos níveis de hormônios tireoidianos, TPOAb, TgAb e marcadores de estresse oxidativo. 

No entanto, a necessidade de medicamento aumentou significativamente no grupo placebo em comparação com o grupo de intervenção, sugerindo que a suplementação de zinco pode ser útil para pacientes com hipotireoidismo.

Em resumo, ainda há necessidade de mais estudos de longo prazo para confirmar os efeitos da suplementação de micronutrientes nas disfunções tireoidianas. Além disso, vale ressaltar que a suplementação excessiva e sem acompanhamento profissional pode piorar as condições tireoidianas.

O que podemos concluir?

Em resumo, é indiscutível que diversos micronutrientes exercem funções cruciais na função da tireoide, e suas deficiências podem se associar a disfunções tireoidianas. 

Entretanto, no geral, o tratamento destas disfunções através da suplementação ainda precisa ser mais investigado. Cabe ao profissional de saúde investigar as deficiências e individualizar a abordagem terapêutica, levando em consideração o estado clínico do paciente, medicamentos em uso, os níveis séricos de micronutrientes e a natureza da disfunção tireoidiana.

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Referências:

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