A técnica foca na promoção da autonomia dos pacientes
A entrevista motivacional (EM) é uma técnica de aconselhamento em saúde, descrita pela primeira vez na década de 80. No âmbito da nutrição, a EM pode aumentar a motivação e confiança dos pacientes, aumentando a adesão ao processo de tratamento nutricional.
Neste artigo, você vai aprender o que é a entrevista motivacional e como aplicá-la na prática do atendimento nutricional.
Entrevista Motivacional (EM): o que é?
A entrevista motivacional (EM) é uma técnica de aconselhamento em saúde, baseada na premissa de que o indivíduo precisa identificar as suas motivações para que consiga mudar determinado comportamento.
No processo colaborativo da entrevista motivacional, apoia-se a autonomia, ou seja, os pacientes são incentivados a encontrarem suas próprias soluções, ao invés de seguirem sistematicamente as ideias prescritivas ou impositivas do profissional.
A EM surgiu na Noruega em 1982. Seu objetivo inicial era ajudar dependentes de álcool e outras drogas a aumentarem a motivação para o tratamento. Na sequência, ela foi ampliada para outros campos, incluindo a mudança de comportamento alimentar e tratamento de transtornos alimentares. Muitos estudos já mostram seus benefícios, especialmente no tratamento de doenças crônicas como transtornos alimentares, obesidade e diabetes.
Como fazer uma entrevista motivacional?
A seguir, você irá entender passo a passo como aplicar a entrevista motivacional em um contexto de atendimento na nutrição.
Passo um: abordagem inicial
Na abordagem inicial da entrevista motivacional, perguntas mais abertas podem servir para iniciar a consulta. O principal objetivo é conhecer o seu paciente, sua história, sua relação com a alimentação e o porquê de ele estar ali.
Uma habilidade importante para se ter durante toda a entrevista é a empatia. É necessário estabelecer um ambiente confortável para o paciente se expressar, além de ouvir e refletir sobre suas falas e sentimentos. Expressar empatia envolve uma comunicação calorosa e de apoio, e demonstra que você está prestando atenção à comunicação verbal e não verbal do indivíduo. Crie uma atmosfera compreensiva e respeitosa no lugar de uma postura julgadora.
Passo dois: identificando o grau de motivação
De acordo com a técnica de entrevista motivacional, há dois tipos de motivação:
- Motivação extrínseca: gerada pelo ambiente ou força externa. Exemplo: um paciente que procura o nutricionista apenas porque foi encaminhado pelo médico, e não por vontade própria.
- Motivação intrínseca: gerada por uma força interior, que proporciona prazer e satisfação ao incorporar novos hábitos.
Indivíduos com a presença da motivação intrínseca possuem melhor adesão e obtêm os melhores resultados.
No entanto, o profissional que deseja incorporar a entrevista motivacional em seu atendimento precisa entender que não possui a capacidade de motivar o paciente. O nutricionista deve focar na promoção da autonomia, utilizando estratégias que façam o paciente encontrar suas próprias motivações intrínsecas.
O Modelo Transteórico é um importante conceito que auxilia o profissional a identificar o estágio de prontidão para mudança em que o paciente se encontra.
Leia mais sobre o Modelo Transteórico clicando aqui.
Passo três: abrindo caminho para mudanças
Nesta etapa, o nutricionista deve ajudar o paciente a descobrir a discrepância entre seu comportamento atual e seus objetivos/valores pessoais, a fim de enfatizar a importância de realizar as mudanças.
Por exemplo, facilite a reflexão sobre a discrepância entre o alto consumo de fast foods, e o desejo do paciente de viver uma vida longa e saudável. Mas lembre-se: não aponte você as contradições, mas sim promova a autonomia para que ele próprio enxergue-as.
Mesmo se o paciente perceber as discrepâncias, mas se opor às mudanças, não julgue-o. Isso geralmente intensifica a resistência, causando ainda mais conflitos. Enfatize que o paciente tem a responsabilidade e a liberdade de fazer a escolha de mudar. Esta não é uma decisão que pode ser tomada por qualquer outra pessoa, e cabe realmente ao paciente decidir quais decisões tomar.
Usando uma folha de papel com o modelo abaixo, incentive-o a encontrar os benefícios e malefícios, a curto e longo prazo, de cada mudança identificada como necessária. Assim, o paciente poderá ter autonomia para saber se deseja ou não prosseguir.
Se há muitas questões para serem resolvidas, busque realizar um exercício de decisão com o paciente, para priorizar as mudanças mais urgentes.
Passo quatro: apoie a autoeficácia e encontrem soluções
Um fator importante para nos sentirmos prontos para fazer uma mudança é nos sentirmos confiantes em nossa capacidade de fazê-lo. Essa confiança é chamada de “autoeficácia”.
Para aumentar a autoeficácia, é importante capacitar os pacientes dando-lhes um feedback positivo, facilitando sua auto descoberta e resolução de problemas. Basicamente, apoie os indivíduos a achar suas próprias soluções com base nas suas motivações individuais. Aqui, a principal mensagem para repassar ao indivíduo é: “você pode mudar”, transmitindo confiança e otimismo.
Servindo como uma ponte para atingir o objetivo desejado, forneça conselhos claros e diretos de possíveis maneiras de enfrentar as barreiras.
Ofereça diferentes alternativas para que o paciente possa escolher qual delas mais faz sentido com seu contexto pessoal. Novamente tomando como exemplo o alto consumo de fast-foods, algumas possíveis estratégias incluem:
- Optar por restaurantes com maior oferta de comida caseira;
- Cozinhar as preparações preferidas em casa (exemplo: hambúrguer caseiro);
- Restringir o consumo de fast-foods a datas especiais.
Perguntas para entrevista motivacional
Agora que você já sabe como realizar o passo-a-passo para uma entrevista motivacional, veja abaixo alguns exemplos de perguntas para se fazer ao paciente:
- O que te levou a procurar atendimento nutricional?
- Como é a sua rotina atual?
- O que você consome em um dia típico?
- O que você já fez no passado para mudar sua alimentação?
- Quais estratégias já funcionaram para você no passado? E o que deu errado?
- Como é a sua relação com a comida?
- Como você gostaria que sua saúde fosse diferente?
- Em uma escala de 1 a 10, quão pronto você está para fazer mudanças em seus padrões alimentares? Por que?
- Diga-me como as coisas seriam diferentes se você _______ (perdesse peso, tivesse uma alimentação mais saudável, etc).
- O que teria que acontecer para você considerar seriamente a mudança?
- O que o deixaria mais confiante para mudar?
- O que impede você de dar o primeiro passo?
- Como posso ajudá-lo a ter sucesso?
Lembre-se: a entrevista motivacional deve ser fluida, com uma escuta ativa e reflexiva. Por isso, use essas perguntas de apoio, mas não se prenda a elas.
Conclusão
A entrevista motivacional pode ser usada na nutrição como uma abordagem para apoiar a mudança de comportamentos. Ela deve ser colaborativa, empática e centrada no paciente. Para isso, o profissional precisa de treinamento e prática para se tornar habilidoso e conseguir obter resultados.
Leia também:
- Como melhorar a adesão do paciente ao plano alimentar?
- 5 estratégias para aumentar o sucesso do cuidado nutricional
Referências:
ALVARADO-MARTEL, Dácil et al. Motivational Interviewing and Self-care in Type 1 Diabetes: a randomized controlled clinical trial study protocol. Frontiers in Endocrinology, p. 948, 2020.
BARNES, Rachel D. et al. Examining motivational interviewing plus nutrition psychoeducation for weight loss in primary care. Journal of psychosomatic research, v. 104, p. 101-107, 2018.
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HANA, Maeve. Using motivational interviewing in nutrition consultations. Network Health Digest. 2019.
O que é e como usar a Entrevista Motivacional na Nutrição. Instituto NC Nutrição Comportamental. 2022.
Motivational Interviewing for Diet, Exercise and Weight. Yale Rudd Center for Policy & Obesity.
A Redação Nutritotal PRO é formada por nutricionistas, médicos e estudantes de nutrição que têm a preocupação de produzir conteúdos atuais, baseados em evidência científicas, sempre com o objetivo de facilitar a prática clínica de profissionais da área da saúde.
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