A microbiota intestinal participa da regulação da absorção de lipídios no intestino, o que estabelece…
Entenda a conexão entre dieta, microbiota e sistema imune, e como estratégias nutricionais podem prevenir alergias e doenças crônicas.
A relação entre nutrição, imunidade e saúde intestinal é uma via de mão dupla que tem ganhado cada vez mais atenção científica.
O eixo intestino–imunidade–metabolismo forma uma rede complexa em que nutrientes, microbiota e componentes imunológicos interagem de maneira dinâmica, influenciando desde reações alérgicas até o desenvolvimento de condições crônicas como obesidade, diabetes e doenças autoimunes.

Fonte: Canva
À medida que a dieta e a saúde intestinal emergem como reguladores-chave da função imunológica, elas oferecem novos alvos para intervenção.
A base imunológica das alergias e da multimorbidade
O sistema imunológico compreende uma rede complexa de células, moléculas sinalizadoras e tecidos, que protegem o corpo de diversas ameaças, como patógenos, toxinas e células anormais.
Nossa imunidade divide-se em duas grandes frentes:
- Imunidade inata, que responde rapidamente de forma inespecífica, e funciona independentemente de exposição prévia.
- Imunidade adaptativa, com respostas específicas e memória imunológica que permite respostas mais rápidas e direcionadas em encontros subsequentes.
Ambas são interdependentes e moduladas por sinais metabólicos e nutricionais.
Na presença de disfunção imunológica, surgem reações exacerbadas a estímulos normalmente inofensivos (como nas alergias), ou quadros de inflamação crônica de baixo grau, base comum a muitas doenças crônicas, compondo o que se chama de multimorbidade – ou seja, a coexistência de duas ou mais condições crônicas.
Este conceito, que descreve a presença de duas ou mais doenças crônicas em um mesmo indivíduo, está diretamente associado ao envelhecimento do sistema imunológico, ou imunossenescência, e à perda de homeostase inflamatória.
O papel da microbiota intestinal
A microbiota intestinal é um pilar essencial da imunidade. Ela atua na modelagem das respostas imunológicas em vários órgãos, no desenvolvimento e maturação do sistema imunológico sistêmico, na manutenção da integridade das barreiras epiteliais, e na produção de metabólitos com efeitos imunomodulatórios, como os ácidos graxos de cadeia curta (AGCCs) – especialmente butirato e propionato.
Uma microbiota diversificada e rica em bactérias benéficas contribui para a indução de células T reguladoras (Tregs) e para a produção de citocinas anti-inflamatórias como IL-10 e TGF-β.
Por outro lado, a disbiose microbiana está cada vez mais associada a distúrbios imunomediados, incluindo doenças alérgicas. A composição alterada da microbiota pode induzir desregulação imunológica, aumentando a suscetibilidade a reações inflamatórias e de hipersensibilidade.
Nutrientes-chave para a imunidade e saúde intestinal
A função imunológica não é ditada apenas pela predisposição genética, mas é dinamicamente influenciada por padrões alimentares e pela microbiota intestinal.
Os principais componentes da dieta que influenciam o sistema imunológico estão resumidos na tabela abaixo.
| Nutriente | Benefícios imunes | Fontes alimentares |
| Vitamina D | Regula as respostas das células T, aumenta os peptídeos antimicrobianos e reduz a atividade autoimune. | Exposição ao sol, peixes gordurosos, laticínios fortificados, ovos |
| Vitamina A | Apoia a imunidade das mucosas, influencia células T reguladoras (Treg) e fortalece a barreira intestinal. | Fígado, cenouras, batata-doce, vegetais verdes escuros |
| Vitamina C | Antioxidante, essencial para função dos neutrófilos, produção de citocinas e redução do estresse oxidativo. | Frutas cítricas, pimentões, morangos, brócolis |
| Vitamina E | Reduz o estresse oxidativo, apoia a função das células T e aumenta a atividade das células NK (natural killers). | Oleaginosas, sementes, espinafre, óleo de girassol |
| Vitaminas do complexo B | Essenciais para proliferação de células imunes, síntese de DNA e regulação da homocisteína. | Grãos integrais, leguminosas, ovos, vegetais folhosos, proteínas animais |
| Zinco | Essencial para ativação das células T, função antioxidante e imunidade da mucosa. | Frutos do mar, carnes vermelhas, sementes de abóbora, leguminosas |
| Selênio | Apoia a glutationa peroxidase, reduz inflamação e estresse oxidativo. | Castanha-do-pará, frutos do mar, grãos integrais, ovos |
| Ferro | Necessário para a função das células imunes, mas em excesso pode promover estresse oxidativo e crescimento microbiano. | Carnes vermelhas, lentilhas, espinafre, cereais fortificados |
| Magnésio | Regula inflamação, resposta ao estresse e função mitocondrial. | Oleaginosas, sementes, grãos integrais, vegetais verdes |
| Ácidos graxos ômega-3 (EPA e DHA) | Moduladores de respostas inflamatórias, apoiam a diversidade da microbiota intestinal e suprimem inflamação alérgica mediada por Th2. | Peixes gordurosos (salmão, sardinha), sementes de linhaça, sementes de chia, nozes |
| Polifenóis | Moduladores da microbiota intestinal, reduzem estresse oxidativo, promovem vias anti-inflamatórias. | Frutas vermelhas, chá, chocolate amargo, cúrcuma, uvas |
| Ácidos graxos de cadeia curta (SCFAs) | Regulam células T reguladoras, reduzem inflamação e promovem a homeostase intestinal. | Alimentos ricos em fibras fermentáveis (aveia, leguminosas, bananas verdes, fontes de amido resistente) |
Estratégias nutricionais promissoras
Para além do foco em nutrientes específicos, estratégias nutricionais integradas têm se mostrado promissoras na modulação da imunidade e da microbiota intestinal.
Dieta mediterrânea
Rica em fibras, ácidos graxos insaturados, polifenóis, flavonoides e ácidos graxos ômega-3, a dieta mediterrânea tem sido associada à menor prevalência de asma e alergias, especialmente quando aderidas desde a gestação.
Diversos mecanismos têm sido propostos para explicar seu papel protetor:
- Propriedades anti-inflamatórias
- Modulação da microbiota intestinal
- Presença de ácidos graxos poli-insaturados (AGPIs), que favorecem a imunomodulação
- Modificações epigenéticas (quando adotada na gestação)
Apesar dos resultados promissores, a relação entre a dieta mediterrânea e as alergias permanece incompletamente compreendida devido à heterogeneidade nos delineamentos dos estudos, avaliações dietéticas e fatores específicos da população.
Aleitamento materno
O leite materno é rico em compostos imunoativos, como anticorpos IgA, peptídeos antimicrobianos, citocinas e receptores solúveis, que, em conjunto, protegem contra infecções, obesidade, enterocolite necrosante, diabetes e doenças alérgicas.
Além disso, a amamentação desempenha um papel crítico na formação do microbioma intestinal do bebê, o que é fundamental para o desenvolvimento da tolerância imunológica e a prevenção de alergias.
Contudo, os efeitos profiláticos da amamentação na prevenção de alergias não estão definitivamente comprovados, com estudos apresentando resultados mistos.
Alguns estudos indicam que a amamentação pode proteger contra asma e doenças alérgicas, enquanto outros não encontram correlação protetora significativa, especialmente quando se consideram fatores genéticos.
Probióticos e prebióticos
Suplementos com cepas específicas de Bifidobacterium e Lactobacillus têm mostrado efeitos positivos na prevenção de eczema e na modulação da resposta imune alérgica.
A suplementação materna, em especial, pode reduzir o risco de doenças alérgicas nos primeiros anos de vida.
Prebióticos como galacto-oligossacarídeos (GOS) e frutooligossacarídeos (FOS) favorecem o crescimento de bactérias benéficas e a produção de AGCCs.
Nutrição personalizada
A evolução das ferramentas diagnósticas, como os testes de diagnóstico por componentes e marcadores epigenéticos, tem permitido individualizar o manejo nutricional de alergias alimentares, evitando restrições excessivas e garantindo a adequação nutricional.
A integração de dados clínicos, microbioma, preferências culturais e aspectos socioeconômicos é essencial nesse processo.
Conclusão
Em suma, o eixo intestino-imunológico-metabólico é cada vez mais reconhecido como um regulador fundamental da saúde, onde nutrientes e metabólitos microbianos atuam como poderosos imunomoduladores.
Estratégias dietéticas anti-inflamatórias, ricas em compostos bioativos e moduladoras da microbiota, mostram potencial em prevenir e manejar tanto doenças alérgicas quanto condições crônicas associadas à inflamação persistente.
A incorporação de abordagens personalizadas, com base em características individuais e avanços tecnológicos, representa o futuro da imunonutrição e pode contribuir significativamente para a saúde pública e a prática clínica.
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Referência:
Andreou E, Papaneophytou C. Boosting Immunity Through Nutrition and Gut Health: A Narrative Review on Managing Allergies and Multimorbidity. Nutrients. 2025; 17(10):1685. https://doi.org/10.3390/nu17101685
A Redação Nutritotal PRO é formada por nutricionistas, médicos e estudantes de nutrição que têm a preocupação de produzir conteúdos atuais, baseados em evidência científicas, sempre com o objetivo de facilitar a prática clínica de profissionais da área da saúde.
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