Entenda como oferecer suporte nutricional ao paciente de duas ou mais doenças crônicas.
Estima-se que a multimorbidade afete mais de 70% dos pacientes adultos hospitalizados. Esses indivíduos enfrentam graves desafios, como declínio funcional, má qualidade de vida, maior mortalidade, entre outros.
A terapia nutricional desempenha um papel crucial no cuidado dessa população. É por isso que a Sociedade Europeia de Nutrição Clínica e Metabolismo (ESPEN) atualizou sua antiga diretriz de cuidado nutricional nos pacientes com multimorbidade. A seguir, confira as principais recomendações dos especialistas.
O que é multimorbidade?
Também conhecida como polimorbidade, a multimorbidade é a co-ocorrência de pelo menos duas doenças crônicas no mesmo indivíduo. Embora não haja uma definição universalmente aceita para esta condição, esse é o conceito adotado pela ESPEN.
Por mais que a multimorbidade esteja frequentemente presente no contexto geriátrico, mais da metade dos pacientes afetados têm menos de 65 anos.
Triagem e avaliação nutricional
Em pacientes hospitalizados com multimorbidade, deve ser aplicado um método de triagem nutricional rápido e simples com ferramentas validadas, a fim de identificar o risco de desnutrição. São exemplos: ASG, NRS 2002, MNA-SF, e MUST.
Em pacientes de risco para desnutrição, os especialistas recomendam uma avaliação mais detalhada com os critérios GLIM. Além disso, deve-se definir um plano de tratamento com terapia nutricional precoce, e medidas de resultados de qualidade.
Necessidades nutricionais de pacientes hospitalizados com multimorbidade
A diretriz ESPEN destaca a importância de atender às necessidades energéticas e proteicas específicas dos pacientes com multimorbidade.
Em primeiro lugar, recomenda-se que os requisitos de energia sejam estimados utilizando a calorimetria indireta. Contudo, caso não esteja disponível, fórmulas baseadas no peso ou equações preditivas são as opções.
Nesse sentido, os profissionais recomendam:
- Idosos com multimorbidade: GET 27 kcal/kg/dia ou GER 18 a 20 kcal/kg/dia.
- Pacientes gravemente abaixo do peso: GER 30 kcal/kg/dia (meta a ser evoluída com cautela, devido ao risco de síndrome de realimentação).
Em relação às proteínas, a meta de 1,2 a 1,5 g/kg/dia foi estabelecida, a fim de prevenir a perda de peso, reduzir complicações, melhorar o resultado funcional e a qualidade de vida. Todavia, para pacientes com função renal prejudicada que não estão em terapia de substituição renal, a meta cai para 0,8 g/kg/dia.
Por fim, para pacientes polimórbidos com ingestão alimentar reduzida e estado nutricional prejudicado, pelo menos 75% das necessidades energético-proteicas devem ser alcançadas.
Terapia Nutricional Oral
Os profissionais ESPEN indicam suplementos nutricionais orais (SNO) para pacientes hospitalizados com multimorbidade, desnutridos ou com alto risco de desnutrição, e que podem receber nutrição oral com segurança.
Sobretudo, os SNO com alto teor de proteína devem ser a prioridade, uma vez que eles auxiliam a manutenção do estado funcional e da massa muscular, bem como reduzem a mortalidade.
A fortificação de alimentos é uma estratégia substituta aos SNO, caso o paciente não tolere ou não deseje tais suplementos.
Seja como for, os especialistas ressaltam a importância de assegurar a ingestão adequada de micronutrientes, satisfazendo as necessidades diárias. As deficiências devem ser documentadas e corrigidas.
Terapia Nutricional Enteral
Em pacientes polimórbidos cujas necessidades não são atendidas por via oral, a Nutrição Enteral (NE) está indicada. Essa estratégia é superior à Nutrição Parenteral (NP), já que apresenta menor risco de complicações e promove a manutenção da integridade intestinal.
Sugere-se a adoção de um suporte nutricional precoce (ou seja, fornecido em menos de 48 horas após a internação), pois a mortalidade e os eventos adversos são menores, e há menos perda de massa magra.
Os autores também discutem a adição de suplementos às fórmulas nutricionais. Em resumo, pacientes com úlceras por pressão podem se beneficiar da adição de arginina, glutamina e βHMB, com intuito de acelerar a cicatrização. Além disso, fórmulas de NE enriquecidas com uma mistura de fibras solúveis e insolúveis podem melhorar a função intestinal.
Pacientes hospitalizados com multimorbidade: Pós-alta
Por fim, a diretriz enfatiza a importância de continuar o suporte nutricional após a alta hospitalar.
Principalmente para pacientes desnutridos ou em risco de desnutrição, permanecer com a terapia nutricional nos pós-alta é fundamental para manter ou melhorar o peso corporal, a condição nutricional, a função e a qualidade de vida.
Da mesma forma, em pacientes idosos com multimorbidade, o suporte nutricional contínuo com SNO ou intervenção nutricional individualizada está indicado; caso haja presença de desnutrição, deve permanecer por mais de dois meses. Assim, reduz-se a mortalidade e o impacto das doenças.
Conclusão
Em conclusão, a nova diretriz ESPEN oferece uma estrutura abrangente para o cuidado nutricional de pacientes hospitalizados com multimorbidade.
Essas recomendações, baseadas em evidências, têm o potencial de melhorar significativamente os resultados clínicos, funcionais e de qualidade de vida para esse grupo de pacientes vulneráveis.
Clique aqui para ler a diretriz completa.
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Referência:
Wunderle C, Gomes F, Schuetz P, Stumpf F, Austin P, Ballesteros-Pomar MD, Cederholm T, Fletcher J, Laviano A, Norman K, Poulia KA, Schneider SM, Stanga Z, Bischoff SC. ESPEN guideline on nutritional support for polymorbid medical inpatients. Clin Nutr. 2023 Jul 8;42(9):1545-1568. doi: 10.1016/j.clnu.2023.06.023. Epub ahead of print. PMID: 37478809.
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