Diretriz SBP: O microbioma e as doenças alérgicas

Postado em 14 de julho de 2023

Uma colonização intestinal adequada pode prevenir ou até tratar as doenças alérgicas.

As doenças alérgicas são um grande problema de saúde pública, atingindo a prevalência de até 40% em algumas populações. Recentemente, dados crescentes demonstram uma associação entre as alergias e o microbioma humano.

Sabendo que a formação da microbiota intestinal ocorre antes mesmo do nascimento, dentro do útero materno, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) publicou uma nova diretriz sobre o assunto.

Neste material, os especialistas esclareceram a associação entre o microbioma, a imunidade e o desenvolvimento de doenças alérgicas. A seguir, separamos os principais pontos levantados pelos profissionais. Confira!

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Foto: shutterstock.com

Como é formado o microbioma?

Em grande parte, a microbiota intestinal é composta nos primeiros mil dias de uma criança – período que compreende desde a concepção até os dois anos de idade.

Antes mesmo do nascimento, já ocorre transferência de produtos microbianos intestinais da mãe para o feto, através da  placenta, do líquido amniótico, do cordão umbilical e do mecônio.

Essa transferência desempenha um papel crucial na maturidade imunológica para a criança, pois é somente 30 dias após o parto que ocorre uma produção suficiente de anticorpos próprios. Além da proteção imunológica, a exposição microbiana pré-natal também influencia no crescimento fetal e na duração da gestação.

Após o nascimento, agora em contato com o ambiente externo, a microbiota da criança também é formada por outros microorganismos. Nas primeiras horas, o predomínio é de bactérias aeróbias, como  Estreptococos e E.coli. Mais tarde, prevalecem as bactérias estritamente anaeróbias, como as Bifidobactérias, Bacterioides e o Clostridium.

Fatores benéficos para a formação do microbioma

Tanto em número quanto em diversidade, a composição do microbioma pode sofrer influência de diversos fatores, tais como:

  • Tipo de parto;
  • Uso de antibióticos;
  • Condições socioculturais e geográficas;
  • Fatores nutricionais (dieta, aleitamento infantil, uso de fórmulas infantis, vitaminas, pré, pró e posbióticos);

Segundo os autores da diretriz, duas condições são fundamentais para a instalação da microbiota adequada nos primeiros momentos de vida: o parto normal (por via vaginal) e o aleitamento materno exclusivo.

O leite materno contém uma série de fatores bioativos e imunoestimulantes, que, em parceria com a microbiota intestinal, direcionam a maturação morfo-fisiológica do intestino. São exemplos:

  • Oligossacarídeos livres: servem de sítios de ligação para microrganismos benéficos à microbiota, reduzindo a colonização de possíveis patógenos.
  • Bactérias probióticas: Lactobacillus, Staphylococcus, Enterococcus e Bifidobacterium. Promovem um equilíbrio saudável da microbiota intestinal.
  • IgA secretora: previne a colonização de bactérias patogênicas e promove a colonização de bactérias comensais probióticas.

Em relação ao tipo de parto, os profissionais apontam: o leite de mães que realizaram parto cesariano eletivo parece ter depleção dos principais gêneros funcionais, como as bifidobactérias.

A modulação do microbioma e as doenças alérgicas

Sabendo da ligação entre o microbioma intestinal e o sistema imunológico, vários estudos tentam estabelecer a relação entre prevenção/tratamento de doenças alérgicas, e padrões microbianos específicos (ou ainda a modulação da microbiota com prebióticos, probióticos e posbióticos).

Por isso, os profissionais da SBP reuniram o que se sabe até então sobre este tópico. Confira a seguir.

Dermatite atópica

A dermatite atópica é uma das manifestações alérgicas de aparecimento mais precoce na infância. De modo geral, as pesquisas são favoráveis quanto ao uso de probióticos para prevenção e tratamento, apesar de algumas divergências.

Em uma meta-análise que reuniu 17 estudos, filhos de mães que consumiram probióticos tiveram um risco significativamente menor de desenvolver alergias, com menor incidência de eczema atópico nos primeiros dois anos de vida.

Outra meta-análise avaliou a eficácia de simbióticos (prebióticos e probióticos) no tratamento da dermatite atópica. Após 8 semanas, os resultados mostraram diminuição significante nos valores do SCORAD (índice de gravidade dos sintomas da dermatite atópica) nas crianças que fizerem uso desta estratégia, sobretudo naqueles que receberam um mix de probióticos (ao invés de cepas isoladas).

Tais evidências corroboram com a recomendação da Organização Mundial de Alergia (WAO), que indica o uso de probióticos à gestantes com riscos para atopias, como uma estratégia de prevenção ao eczema atópico. Deste modo, diminui-se a possibilidade da “marcha alérgica” (desenvolvimento de diferentes doenças alérgicas ao longo do tempo em indivíduos geneticamente predispostos).

Alergia à Proteína do Leite de Vaca (APLV)

Alguns estudos são favoráveis ao uso de cepas probióticas no tratamento de eczema atópico com APLV associada.

Em uma destas pesquisas, foi investigado o uso de uma fórmula extensamente hidrolisada acrescida de probiótico (Lactobacillus rhamnosus GG). Após 1 mês, essa estratégia reduziu o escore de sintomas tanto para a administração direta de probióticos (26 para 15), quanto para administração indireta, via leite materno (26 para 11).

A utilização de Lactobacillus rhamnosus GG, quando associada à dieta de exclusão, também favoreceu a aquisição da tolerância oral em crianças com APLV.

Alergias respiratórias

A utilização de probióticos pode modular a resposta imunológica intestinal. A partir daí, sugere-se que a liberação de mediadores sistêmicos poderia influenciar o funcionamento de órgãos distantes (como nariz e pulmão). Essa influência pode ter um efeito positivo na resposta alérgica das vias respiratórias. No entanto, os estudos que investigam esta hipótese são inconclusivos e divergentes.

Em uma pesquisa com escolares com asma e rinite alérgica, a utilização de Lactobacillus gasseri A5 elevou a função pulmonar e o pico de fluxo expiratório.

Além disso, analisando dados de diversos estudos experimentais, os autores da diretriz observaram a influência dos probióticos sobre marcadores de inflamação alérgica, como:

  • Diminuição da infiltração eosinofílica;
  • Diminuição da síntese de IL-5;
  • Aumento da expressão dos marcadores de resposta Th1 e/ou T reguladora (TNF-α, INF-γ, IL-10, IL-12 e IL-13)

Porém, ao se tratar deste tópico, mais estudos clínicos são necessários para esclarecer qual a melhor cepa probiótica, quando iniciar a intervenção, quantidade, duração, entre outros.

Conclusão

A formação adequada do microbioma nos primeiros anos de vida desempenha um papel fundamental no desenvolvimento do sistema imunológico. Fatores naturais, como o parto normal e o aleitamento materno exclusivo, têm sido reconhecidos como elementos importantes na promoção de uma microbiota saudável e na prevenção de doenças alérgicas.

Por outro lado, a modulação da microbiota tem sido estudada como uma possível abordagem para prevenir e tratar as doenças alérgicas. No entanto, embora existam evidências promissoras, este ainda é um campo em constante evolução, e mais pesquisas são necessárias para estabelecer conclusões definitivas.

Para ler a diretriz completa, clique aqui.

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Referência:

Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento Científico de Alergia. O Microbioma e as Doenças Alérgicas. Nº 68, 18 de Maio de 2023.

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