Uma microbiota equilibrada é essencial para a saúde feminina — e o consumo de fibras prebióticas pode auxiliar nisso.
Todos os anos, milhões de mulheres são afetadas por distúrbios ginecológicos, com sérias consequências para sua saúde e bem-estar. Mas você sabia que a microbiota pode ter um importante papel na saúde da mulher?
Recentemente, evidências científicas se propuseram a investigar a relação entre a microbiota e os distúrbios ginecológicos, e o papel das fibras na prevenção de condições como vaginose, câncer de endométrio, SOP, parto prematuro, dentre outras.
Neste artigo, você irá entender a importância da microbiota para a saúde feminina, a relação entre a disbiose e os distúrbios femininos, e como as fibras podem ser grandes aliadas para as mulheres. Confira!
Microbiota intestinal e saúde da mulher
A microbiota desempenha uma função crucial na manutenção da saúde humana. Para as mulheres isso não seria diferente. Além de sua contribuição geral já estabelecida, a microbiota intestinal possui um importante papel para a saúde feminina: a metabolização do estrogênio.
Normalmente, os estrogênios são metabolizados no fígado, para serem eliminados na urina e nas fezes. Entretanto, alguns gêneros de bactérias intestinais (como Bifidobacterium, Clostridium e Lactobacillus) produzem as enzimas “β-glucuronidases” e “β-glucuronídeos”, que podem ativar o estrogênio e permitir que ele permaneça no organismo, exercendo seus efeitos.
Esse processo é chamado de “desconjugação”, e são chamados “estroboloma” os genes presentes na microbiota que são responsáveis por metabolizar este hormônio. A microbiota intestinal também metaboliza compostos semelhantes ao estrogênio nos alimentos (como isoflavonas de soja), estimulando o crescimento de bactérias específicas.
Quando a mulher está em disbiose, dois processos podem ocorrer:
- Redução da função da B-glucuronidase: redução nos níveis de estrogênio livre na corrente sanguínea, levando a um estado patológico hipoestrogênico, o que pode resultar em obesidade, síndrome metabólica e síndrome dos ovários policísticos (SOP).
- Aumento das bactérias produtoras de β-glucuronidase: aumento dos níveis de estrogênios circulantes livres e maior ligação aos receptores de estrogênio, o que pode resultar em doenças proliferativas, como câncer de endométrio, câncer de mama, endometriose e distúrbios uterinos.
Sendo assim, sugere-se que quando parte dos distúrbios que afetam as mulheres podem ter ligação com a microbiota intestinal.
Outras pesquisas também apontam as mudanças na microbiota feminina em determinadas condições. Na gravidez, por exemplo, são notadas alterações marcantes no perfil microbiano, com uma diminuição na riqueza de espécies e em organismos produtores de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC).
Já na pós menopausa, as mudanças na microbiota parecem contribuir para o desenvolvimento da obesidade, câncer de mama, Alzheimer, doenças relacionadas aos ossos e depleção do músculo esquelético.
A importância da microbiota vaginal
Além da microbiota intestinal, a microbiota vaginal também desempenha um papel essencial na saúde feminina.
O aparelho reprodutor feminino compreende um microbioma único, que representa aproximadamente 9% da população microbiana total do corpo. Este ambiente passa por muitas mudanças ao longo da vida, influenciado por fatores como idade, ciclo menstrual e outras condições fisiológicas, estilo de vida, uso de medicamentos e ambiente.
De modo geral, a microbiota vaginal é dominada por Lactobacillus spp. e outros anaeróbios diversos. Sua composição microbiana pode ser classificada em cinco grupos bacterianos predominantes, que influenciam diretamente as condições do ambiente vaginal, como produção de substâncias microbianas, pH e disponibilidade de nutrientes.
Na microbiota vaginal, os Lactobacillus produzem ácido lático, diminuindo o pH e criando uma barreira contra patógenos invasores no ambiente vaginal. Além disso, os produtos de seu metabolismo, secretados no fluido cervicovaginal, combatem infecções bacterianas e virais. Portanto, uma microbiota dominada por Lactobacillus é um bom biomarcador para um ecossistema vaginal saudável.
Este equilíbrio pode ser rapidamente alterado durante processos como menstruação, atividade sexual, gravidez e várias infecções. Uma microbiota vaginal anormal é caracterizada por uma maior diversidade de espécies microbianas, levando ao maior risco de:
- Infecções urogenitais (como a vaginose bacteriana);
- Infecções sexualmente transmissíveis (como o HIV);
- Parto prematuro em mulheres grávidas;
- Infecções fúngicas.
Pesquisas mostram que múltiplas doenças ginecológicas e obstétricas estão relacionadas a perda de espécies de Lactobacillus, como a síndrome do ovário policístico, e o câncer de colo uterino e endométrio.
O papel das fibras para regular a microbiota
Como visto, a microbiota feminina equilibrada exerce um papel importante na manutenção da saúde da mulher. Por outro lado, um quadro de disbiose pode acarretar diversas condições desfavoráveis.
Por isso, estratégias que visem regular a microbiota feminina são muito bem-vindas. A composição do microbioma é altamente influenciada por diversos fatores, dentre eles idade, genética, etnia… e em grande parte, pela dieta.
Já sabemos que as fibras desempenham um papel importante na regulação da microbiota intestinal. As fibras dietéticas fermentáveis, classificadas como “fibras prebióticas”, são utilizadas como substrato para a população microbiana, estimulando o crescimento e a produção de microrganismos e metabólitos benéficos (como os AGCC).
Em uma recente revisão sistemática com mais de 50 estudos, a intervenção com fibras prebióticas aumentou a abundância de Bifidobacterium e Lactobacillus spp, assim como a concentração fecal de butirato em adultos saudáveis.
Como já vimos, tais gêneros são de extrema importância para a saúde da mulher, ao ativar o estrogênio e proteger o ecossistema vaginal. Já o butirato é um subproduto microbiano com um amplo espectro de efeitos positivos, como nutrição das células intestinais, inibição da carcinogênese colônica e melhora da inflamação.
Em outra investigação, o maior consumo de grãos integrais por mulheres grávidas, alimentos ricos em fibras, diminuiu a diversidade alfa bacteriana vaginal, e aumentou a predominância da Lactobacillus, ambos resultados muito positivos.
Embora as pesquisas que investigam a relação entre microbiota, fibras e saúde feminina ainda sejam escassas, tudo indica que esta é uma intervenção promissora para regular o microbioma, e, portanto, prevenir ou tratar as condições ginecológicas e obstétricas.
O que podemos concluir?
A microbiota, tanto intestinal quanto vaginal, desempenha um papel crucial na saúde feminina. Seu equilíbrio é essencial para prevenir uma série de distúrbios ginecológicos, como vaginose bacteriana, câncer de endométrio, síndrome dos ovários policísticos e complicações durante a gravidez.
Conhecidas por equilibrar a microbiota, as fibras são nutrientes chaves na dieta e fundamentais para a saúde da mulher, estimulando o crescimento de bactérias benéficas e a produção de metabólitos essenciais. Portanto, incentivar o maior consumo de fibras por mulheres deve ser uma das prioridades dos profissionais de saúde, visando um cuidado pleno e eficaz.
Vai estar no Ganepão 2023 e quer saber mais sobre o assunto?
Não perca o Simpósio “Microbiota intestinal e a saúde da mulher: da infância à pós-menopausa”
Dia 14/06, às 14h00
– Microbiota nas fases da vida da mulher, Dra Bruna Rosito, Esp.
– Estratégias nutricionais na disbiose e a saúde da mulher, Dra Leila Hashimoto, PhD.
Se você gostou deste artigo, leia também:
- E na prática, como faz? Nutrição e Saúde da Mulher
- Todas as fibras são prebióticas? Aprenda a diferenciar
- Prebióticos: para quem devemos indicar?
Referências:
ELKAFAS, Hoda et al. Gut and genital tract microbiomes: Dysbiosis and link to gynecological disorders. Frontiers in Cellular and Infection Microbiology, v. 12, p. 1820, 2022.
GRAHAM, Madeline E. et al. Gut and vaginal microbiomes on steroids: Implications for women’s health. Trends in Endocrinology & Metabolism, v. 32, n. 8, p. 554-565, 2021.
RINNINELLA, Emanuele et al. Food components and dietary habits: keys for a healthy gut microbiota composition. Nutrients, v. 11, n. 10, p. 2393, 2019.
SIDDIQUI, Ruqaiyyah et al. The gut microbiome and female health. Biology, v. 11, n. 11, p. 1683, 2022.
SO, Daniel et al. Dietary fiber intervention on gut microbiota composition in healthy adults: a systematic review and meta-analysis. The American journal of clinical nutrition, v. 107, n. 6, p. 965-983, 2018.
SUN, Haipeng et al. A randomized controlled trial of the effects of whole grains versus refined grains diets on the microbiome in pregnancy. Scientific reports, v. 12, n. 1, p. 7509, 2022.
ELKAFAS, Hoda et al. Gut and genital tract microbiomes: Dysbiosis and link to gynecological disorders. Frontiers in Cellular and Infection Microbiology, v. 12, p. 1820, 2022.
GRAHAM, Madeline E. et al. Gut and vaginal microbiomes on steroids: Implications for women’s health. Trends in Endocrinology & Metabolism, v. 32, n. 8, p. 554-565, 2021.
RINNINELLA, Emanuele et al. Food components and dietary habits: keys for a healthy gut microbiota composition. Nutrients, v. 11, n. 10, p. 2393, 2019.
SIDDIQUI, Ruqaiyyah et al. The gut microbiome and female health. Biology, v. 11, n. 11, p. 1683, 2022.
SO, Daniel et al. Dietary fiber intervention on gut microbiota composition in healthy adults: a systematic review and meta-analysis. The American journal of clinical nutrition, v. 107, n. 6, p. 965-983, 2018.
SUN, Haipeng et al. A randomized controlled trial of the effects of whole grains versus refined grains diets on the microbiome in pregnancy. Scientific reports, v. 12, n. 1, p. 7509, 2022.
Leia também
A Redação Nutritotal é formada por nutricionistas, médicos e estudantes de nutrição que têm a preocupação de produzir conteúdos atuais, baseados em evidência científicas, sempre com o objetivo de facilitar a prática clínica de profissionais da área da saúde.