Nova declaração da Sociedade Europeia de Cardiologia explora a ligação entre obesidade e doenças cardiovasculares, trazendo diretrizes práticas para o manejo da condição em pacientes com risco cardiometabólico.
A epidemia de obesidade é uma crise global. Embora ela seja um fator de risco para várias doenças crônicas, 67.5% das mortes relacionadas ao alto IMC são atribuíveis a doenças cardiovasculares (DCV). Assim, a relação entre obesidade e saúde cardiovascular é um tópico urgente a ser discutido.
Nesse sentido, a Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC) publicou uma nova declaração de consenso clínico, com tópicos discutindo a complexa interação entre obesidade, fatores de risco cardiovascular e manifestações de DCV. Além disso, o tópico principal foi abordar o gerenciamento da obesidade em pacientes com DCV.
A seguir, confira as principais informações divulgadas neste consenso.
Obesidade: definição e epidemiologia
Por definição, sobrepeso e obesidade são o acúmulo anormal ou excessivo de gordura que pode prejudicar a saúde. A obesidade é normalmente classificada usando a escala de IMC:
- IMC 20 a <25 kg/m²: Peso normal
- IMC 25 a <30 kg/m²: Sobrepeso
- IMC ≥30 kg/m²: Obesidade
- IMC 30 a <35 kg/m²: Obesidade Classe 1
- IMC 35 a <40 kg/m²: Obesidade Classe 2
- IMC ≥40 kg/m²: Obesidade Classe 3 (obesidade grave)
Estima-se que mais de 1 bilhão de pessoas em todo o mundo estejam vivendo com obesidade, afetando 1 a cada 8 adultos. A prevalência da doença mais que dobrou desde 1990. No geral, há pouca diferença por sexo. Entretanto, estima-se que até 50% da obesidade seja atribuível à desigualdade no status educacional.
Atualmente, a prevalência de sobrepeso e obesidade é menor entre pessoas mais jovens, aumentando acentuadamente na terceira à quinta década de vida. Já os distúrbios cardiometabólicos relacionados à obesidade e as DCV se tornam exponencialmente mais prevalentes nas décadas seguintes.
No futuro, é previsto que a obesidade infantil aumente substancialmente, com a maioria das crianças permanecendo obesas durante a adolescência e a vida adulta. Assim, as medidas preventivas devem se concentrar particularmente na infância e no início da idade adulta, além de abordar as disparidades socioeconômicas.
Obesidade e saúde cardiovascular: como ocorre essa interação?
A obesidade afeta a saúde cardiovascular de maneira significativa. Os grandes depósitos de tecido adiposo (gordura visceral, subcutânea ou glútea) secretam moléculas, como adipocinas e lipídios, que exercem efeitos endócrinos na parede vascular e no miocárdio, afetando a fisiologia cardiovascular.
Não necessariamente essas moléculas irão induzir a disfunção cardiovascular. Por exemplo, em um cenário saudável, a secreção de adiponectina ou interleucina-10 exerce efeitos protetores, suprimindo a inflamação e reduzindo o estresse oxidativo cardiovascular. Esse é o chamado “tecido adiposo metabolicamente saudável”.
Contudo, na presença de resistência à insulina, o tecido adiposo muda seu secretoma para citocinas pró-inflamatórias, com efeitos pró-aterogênicos e pró-inflamatórios. Assim, são secretadas substâncias pró-inflamatórias que aumentam o risco de aterosclerose. É sabido que o tecido adiposo visceral gera mais adipocinas pró-inflamatórias/pró-aterogênicas.
Obesidade e fatores de risco cardiovascular
A obesidade está intimamente ligada a vários fatores de risco cardiovascular. Os especialistas fizeram recomendações para o manejo destes fatores de risco, quando a obesidade está presente. Veja a seguir.
Diabetes
Indivíduos com diabetes que vivem com sobrepeso ou obesidade devem buscar reduzir o peso e aumentar o exercício físico para melhorar o controle metabólico e o perfil geral de risco de DCV.
Além disso, indivíduos com sobrepeso e obesidade devem ser regularmente examinados para DM2, particularmente após os 45 anos.
Hipertensão
Os autores recomendam buscar um IMC estável e saudável (20 a 25 kg/m²) e valores de circunferência da cintura adequados (<94 cm em homens e <80 cm em mulheres) para reduzir a pressão arterial e o risco de DCV.
O tratamento medicamentoso para redução da pressão arterial é recomendado para pessoas com pré-diabetes ou obesidade quando:
- A pressão arterial no consultório for ≥140/90 mmHg
- A pressão arterial no consultório for 130–139/80–89 mmHg e o paciente estiver em risco previsto de 10 anos de DCV ≥10% ou com condições de alto risco, apesar de um máximo de 3 meses de terapia de estilo de vida
Dislipidemia
A análise da apolipoproteína B (ApoB) é recomendada para avaliar o risco em determinados subgrupos, como pessoas com obesidade, sendo uma alternativa ao LDL-C quando disponível.
Ela pode ser utilizada como principal medida para triagem, diagnóstico e tratamento da dislipidemia.
Apneia obstrutiva do sono
Em pacientes com obesidade, indica-se a triagem regular para sono não restaurador. Assim como para todos os outros fatores de risco, reduzir o peso é uma pedra angular no tratamento da apneia.
Tratamento da obesidade
De acordo com os especialistas da ESC, o tratamento da obesidade requer uma abordagem múltipla, combinando estratégias comportamentais e psicológicas, intervenções dietéticas e atividade física. Além disso, pode ser potencialmente complementadas por farmacoterapia e procedimentos bariátricos.
A seguir, confira algumas recomendações de interesse do nutricionista.
Via dietética
Na alimentação para obesidade, a prioridade deve ser promover um déficit calórico, de 500 a 750 kcal/dia, ajustado para o peso corporal e atividades individuais. Este déficit pode ser alcançado por:
- Controle do tamanho das porções
- Redução ou eliminação de alimentos ultraprocessados
- Redução do consumo de álcool
- Aumento da ingestão de frutas e vegetais
A tabela abaixo resume os tipos menos e mais eficazes entre as estratégias nutricionais comuns, em relação ao seu impacto no peso corporal e nos parâmetros de risco cardiometabólico.
Estratégia dietética com o menor efeito | Estratégia dietética com o maior efeito | |
Peso (kg) | Aconselhamento dietético | Dieta low carb e high protein |
Pressão arterial sistólica (mmHg) | Aconselhamento dietético | Evitar alimentos processados |
Pressão arterial diastólica (mmHg) | Dieta plant-based low fat | Jejum intermitente |
LDL-C (mg/dL) | Dieta low carb | Dieta vegetariana |
HDL-C (mg/dL) | Dieta plant-based low fat | Dieta low carb |
PCR (mg/dL) | Aconselhamento dietético | Dieta plant-based low fat |
Fonte: adaptado de Konstantinos et al, 2024.
Além das dietas hipocalóricas para facilitar a redução de peso, a adoção ao longo da vida de uma dieta saudável é importante para a prevenção do ganho de peso e do risco cardiovascular. Neste aspecto, uma dieta mediterrânica ou similar é defendida.
Via farmacológica
Os fármacos antiobesidade são indicados em pacientes com IMC ≥30 kg/m2 ou IMC ≥27 kg/m2 com pelo menos uma comorbidade relacionada ao peso, em conjunto às modificações de estilo de vida.
Atualmente, há seis medicamentos aprovados pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e pela Food and Drug Administration (FDA) dos EUA: orlistate, Naltrexona/bupropiona, análogos de GLP-1 (liraglutida e semaglutida), tirzepatida e setmelanotida.
Em pacientes com doença cardiovascular, orlistate e bupropiona/naltrexona devem ser usados com cautela, devido às preocupações quanto ao risco cardiovascular potencial de longo prazo.
Já os análogos de GLP-1 são eficazes para perda de peso e podem trazer melhorias nos fatores de risco cardiovascular, principalmente a semaglutida. Assim, tais fármacos são recomendados em pacientes com DM2 e DCV aterosclerótica. Em pacientes com síndrome coronariana crônica e sem diabetes, recomenda-se semaglutida.
Intervenções intragástricas e cirúrgicas
No tratamento da obesidade, as intervenções intragástricas, como balões e gastroplastias endoscópicas, são opções minimamente invasivas para pacientes com IMC entre 30 e 40 kg/m² ou acima de 27 kg/m² com comorbidades associadas à obesidade.
Entretanto, após a remoção do balão intragástrico, o reganho de peso é comum, o que exige uma continuidade no acompanhamento e na modificação do estilo de vida.
Já a cirurgia bariátrica é considerada a intervenção mais eficaz para a perda de peso, especialmente em indivíduos com IMC ≥40 kg/m² ou ≥35 kg/m² com doenças relacionadas à obesidade. No entanto, complicações como vazamentos anastomóticos, estenoses e deficiências nutricionais são riscos a serem monitorados.
A cirurgia bariátrica é recomendada para pacientes com alto risco cardiovascular e diabetes tipo 2 que não obtiveram sucesso com outras terapias. Ela também pode contribuir para a remissão do diabetes e melhora significativa dos fatores de risco cardiometabólicos.
Por fim, a decisão sobre o tipo de intervenção deve ser feita em conjunto com uma equipe multidisciplinar, considerando as condições médicas e os riscos e benefícios esperados.
Demais considerações
Além das informações expostas até aqui, o consenso também aborda:
- Etiologia da obesidade
- Fenótipos e métricas de obesidade
- Avaliação da topografia da gordura e composição corporal
- Tratamento através de outras intervenções de estilo de vida
- E mais
Clique aqui para acessar o material completo.
Se você gostou deste conteúdo, leia também:
- Como deve ser a prevenção de doenças cardiovasculares na prática clínica?
- Como funcionam os principais medicamentos para tratamento da obesidade?
- Quais são os fenótipos da obesidade?
Referência:
Konstantinos C Koskinas, Emeline M Van Craenenbroeck, Charalambos Antoniades, Matthias Blüher, Thomas M Gorter, Henner Hanssen, Nikolaus Marx, Theresa A McDonagh, Geltrude Mingrone, Annika Rosengren, Eva B Prescott, the ESC Scientific Document Group, Obesity and cardiovascular disease: an ESC clinical consensus statement, European Heart Journal, 2024;, ehae508, https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehae508