A ventilação mecânica é um tratamento muito utilizado em UTIs, particularmente para pacientes em choque circulatório. Nestes pacientes, a nutrição enteral é imprescindível, mas o seu momento de início ainda não é bem estabelecido por especialistas. Em um recente estudo de coorte, buscou-se investigar os resultados da NE precoce em comparação à NE tardia para estes casos.
Como se deu a pesquisa
Neste estudo de coorte, foram utilizados dados de um estudo multicêntrico, realizado entre 2018 e 2021, em UTIs de diversos países diferentes (incluindo o Brasil).
Para selecionar os participantes do estudo, os critérios de inclusão foram os seguintes: ter mais de 18 anos; estar em alto risco nutricional (desnutrição, fragilidade, sarcopenia, entre outros); necessitar de ventilação mecânica com duração acima de 48 horas; ser elegível para receber terapia nutricional.
Ao todo, a pesquisa contou com 626 participantes de 52 UTIs em 14 países, com idade média de 60 anos. Destes, 526 receberam NE precoce e 100 receberam NE tardia.
Para análise posterior, foram coletadas variáveis demográficas dos pacientes, uso de terapias vasopressoras e inotrópicas, práticas nutricionais, valores de exames laboratoriais e desfechos clínicos e de segurança. Em seguida, esses dados foram comparados entre os grupos de NE precoce e tardia.
Nutrição enteral precoce e tardia: diferenças notadas no estudo
Tempo de início
Nas UTIs analisadas, houve uma grande variabilidade entre as práticas de Nutrição Enteral. Em geral, o tempo de início após a admissão na UTI teve uma mediana de 18.7 horas, mas variou de 0 a 434.3 horas. Para pacientes que receberam NE precoce, essa mediana foi de 15.5 horas (intervalo 0.0 a 47.8 h), enquanto que para os pacientes de NE tardia, foi de 67.6 horas (intervalo 48,1 a 434,3).
Os autores observaram que 16% da amostra (n = 100) iniciaram a NE além da janela recomendada de 48 horas após admissão na UTI. Esse atraso pode ser devido à escassez de dados sobre o momento ideal de início da NE no choque circulatório/ventilação mecânica.
Assim, a falta de uma recomendação baseada em evidências pode levar os médicos a adiar a NE por medo de complicações.
Entrega de calorias e proteínas
Durante os primeiros 12 dias de UTI, foram notadas diferenças significativas na entrega de calorias (13.5 vs. 10.6 kcal/kg/dia) e proteínas (0.8 vs. 0.6 g/kg/dia) entre a nutrição enteral precoce ou tardia, respectivamente.
Sendo assim, pacientes criticamente enfermos foram mais propensos a não atender suas necessidades nutricionais, o que poderia expô-los a desfechos desfavoráveis. Para os autores, não ficou claro se essas diferenças na entrega de nutrientes foram clinicamente importantes.
Resultados clínicos
A NE precoce foi associada a melhores resultados clínicos até o 28º dia de internação dos pacientes. Essa terapia teve, por exemplo, menor ocorrência de óbito (42%, em comparação à 53% da NE tardia), foi associada a mais dias livres de UTI (9.3 vs 5.7 da NE tardia), e mais dias livres de vasopressores (19.9 vs 15.5 da NE tardia). Além disso, com a NE precoce, os sobreviventes tiveram menos dias de ventilação mecânica, e um tempo hospitalar e de UTI
mais curto.
No entanto, esses bons resultados medidos no 14º e 28º dia após admissão na UTI não persistiram no 60º dia, e esses dados sugerem que o benefício inicial da NE precoce pode diminuir com o tempo. Além disso, em pacientes com alto risco nutricional, a NE precoce foi associada ao aumento do risco de mortalidade em 60 dias, quando comparada à NE tardia.
Afinal, qual é a melhor?
Com base no estudo analisado, não se pode afirmar com certeza qual das terapias é a mais recomendada para pacientes com ventilação mecânica. Apesar da NE precoce ter trazido mais benefícios, principalmente nos primeiros dias, eles não perduraram.
Desse modo, os autores indicam que pesquisas maiores são necessárias para confirmar seus achados, principalmente ensaios clínicos randomizados.
Para ler o artigo científico completo, clique aqui.
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Referência
ORTIZ-REYES, Luis et al. Early versus delayed enteral nutrition in mechanically ventilated patients with circulatory shock: a nested cohort analysis of an international multicenter, pragmatic clinical trial. Critical Care, v. 26, n. 1, p. 1-12, 2022.
A Redação Nutritotal é formada por nutricionistas, médicos e estudantes de nutrição que têm a preocupação de produzir conteúdos atuais, baseados em evidência científicas, sempre com o objetivo de facilitar a prática clínica de profissionais da área da saúde.
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