Descrito pela primeira vez na década de 1940, o lipedema é um distúrbio crônico e progressivo do tecido adiposo, que afeta até 11% da população mundial feminina. Dentre as formas de manejo da doença, o tratamento dietético pode ser um forte aliado no combate aos sintomas e melhora na qualidade de vida. Neste artigo, entenda os posicionamentos das atuais diretrizes no tocante à associação entre lipedema e alimentação.
Em primeiro lugar, o que é lipedema?
Segundo a Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV), o lipedema é uma doença vascular crônica que acomete principalmente as mulheres. Clinicamente, o quadro é caracterizado pela distribuição anormal do tecido adiposo, gerando um depósito de gordura nas pernas, braços, coxas, quadris e nádegas, com exclusão das mãos e pés. É comum que a paciente sinta dores e apresente nódulos subcutâneos nas áreas afetadas.
No Reino Unido, é estimado que a doença acometa 1 a cada 72.000 habitantes. Contudo, a subnotificação não é rara, devido à dificuldade de diferenciá-la da obesidade, que coexiste ao quadro. Seu início geralmente ocorre durante um período de alterações hormonais, como a puberdade, gravidez ou menopausa. A doença também é marcada pelo seu caráter hereditário; assim, é muito comum que mulheres da mesma família desenvolvam o problema no decorrer das gerações.
Os mecanismos patológicos exatos e o papel específico dos hormônios e seus receptores ainda não foram esclarecidos, mas é provável que múltiplos fatores estejam envolvidos. As alterações incluem: aumento do número e/ou tamanho das células de gordura; redução da elasticidade da pele e do tecido conjuntivo; processos inflamatórios; e crescimento de novos capilares dentro do tecido adiposo, associado a hematomas.
Como se dá o tratamento?
Apesar de crônico, o lipedema tem tratamento. Segundo o “British Journal of Community Nursing”, recomenda-se uma abordagem multidisciplinar que foque em três objetivos:
- Facilitar e aprimorar a capacidade de autocuidado da paciente;
- Otimizar sua saúde e prevenir a progressão da doença; e
- Gerir os sintomas e suas complicações (dor, edema, desproporção corporal, marcha prejudicada…).
Para isso, diversas estratégias podem fazer parte do manejo do lipedema, como a fisioterapia, a terapia de compressão, a lipoaspiração, a cirurgia bariátrica, e as intervenções farmacológicas. Contudo, estratégias de mudanças de estilo de vida também são muito bem-vindas, incluindo mudanças na dieta, promoção da atividade física e suporte psicológico.
Tratamento dietético no lipedema
O componente dietético do tratamento de lipedema é essencial, especialmente para aqueles com quadros de obesidade concomitante. Confira a seguir os principais fatores dietéticos que integram o manejo da doença, segundo as atuais diretrizes.
Perda de peso
Para o Journal German Society of Dermatology, o principal objetivo deve ser evitar o ganho de peso, e/ou atingir o peso normal, uma vez que o sobrepeso e a obesidade podem ser fatores que contribuem para a exacerbação de edemas.
Nesse contexto, a redução de peso deve ser sempre baseada em uma combinação de medidas terapêuticas que englobem dieta, exercícios e mudanças comportamentais. O foco é que essa redução de peso perdure e se estabilize a longo prazo.
Segundo a International Union of Angiology, mesmo em pacientes com IMC normalizado, manter a eutrofia pode evitar a progressão da doença, prevenir o comprometimento da mobilidade e a osteoartrite. Outros benefícios do emagrecimento incluem a melhora no estado de saúde geral, e o menor aparecimento de dores articulares.
Em relação à dieta adotada para perda de peso, as diferentes sociedades e instituições possuem posicionamentos contrastantes. Desse modo, não há apenas uma dieta específica para o lipedema, mas um conjunto de estratégias que podem ser adotadas dependendo do contexto de cada paciente.
Dieta isoglicêmica
De acordo com o Journal German Society of Dermatology, como níveis elevados de insulina promovem a lipogênese e agravam a formação de edemas, uma dieta isoglicêmica é indicada. Desse modo, será adequado qualquer padrão alimentar que evite picos de glicemia e insulina, e proporcione intervalos adequados entre as refeições. Enfatiza-se que a redução de peso não deve ser alcançada à custa da massa muscular, mas sim através da redução da gordura.
Dieta mediterrânea modificada
Para a International Union of Angiology, a recomendação é que uma Dieta Mediterrânea modificada seja seguida, associada à restrição calórica por 2 dias na semana, e com redução da ingestão de carboidratos, principalmente após o meio-dia. Essa orientação baseia-se no alto potencial de redução de gordura deste padrão alimentar.
Em uma recente pesquisa italiana da revista Nutrientes, foi aplicada a dieta mediterrânea modificada com restrição calórica de 20% para 14 mulheres com lipedema, em comparação à 15 indivíduos do grupo controle. Dentre as características da dieta, incluiam-se: alimentos majoritariamente à base de plantas, gorduras saudáveis (como azeite), alto consumo de ômega-3, uso de ervas ao invés de sal, exclusão de alimentos em conserva, processados, e carboidratos de alto índice glicêmico.
Após a intervenção, as mulheres com lipedema diminuíram seu peso, IMC, e gorduras nos braços e pernas, além de aumentar a capacidade de realizar atividades diárias com menos fadiga, dor e ansiedade.
Dieta cetogênica
Alguns estudos recentes sugerem que a dieta cetogênica pode ser bem-vinda no tratamento do lipedema, devido à sua capacidade de regulação da glicemia e efeito anti-inflamatório.
Em um recente caso clínico, a dieta cetogênica foi seguida por 22 meses por uma paciente de lipedema, com uma ingestão diária mínima de carboidratos (< 25 g) e déficit calórico de 200 a 250 kcal. Os resultados foram promissores, com uma significativa perda de peso, diminuição das circunferências corporais, melhora das dores, diminuição da insulina basal e menores níveis de PCR (indicativo de menor inflamação).
Contudo, essa é uma estratégia mais recente e precisa ser melhor investigada.
Conclusão
O tratamento dietético no lipedema é fundamental para melhorar a qualidade de vida dos pacientes, além de aprimorar outros tratamentos cirúrgicos, farmacológicos e de estilo de vida. Sabe-se que o emagrecimento é o ponto chave, e ele pode ser alcançado com diferentes padrões dietéticos, tais como uma dieta isoglicêmica e a dieta mediterrânea, sendo que até o momento não há total consenso entre as diretrizes.
Referências
CANNATARO, Roberto et al. Management of Lipedema with Ketogenic Diet: 22-Month Follow-Up. Life, v. 11, n. 12, p. 1402, 2021.
DI RENZO, Laura et al. Potential effects of a modified Mediterranean diet on body composition in lipoedema. Nutrients, v. 13, n. 2, p. 358, 2021.
FORNER-CORDERO, Isabel; FORNER-CORDERO, Angeles; SZOLNOKY, Győző. Update in the management of lipedema. International Angiology: a Journal of the International Union of Angiology, 2021.
HARDY, Denise; WILLIAMS, Anne. Best practice guidelines for the management of lipoedema. British Journal of Community Nursing, v. 22, n. Sup10, p. S44-S48, 2017.
Lipedema. Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV).
REICH‐SCHUPKE, Stefanie et al. S1 Guidelines: Lipedema. JDDG: Journal der Deutschen Dermatologischen Gesellschaft, v. 15, n. 7, p. 758-767, 2017.
VYAS, Ankit; ADNAN, Ghufran. Lipedema. StatPearls Publishing. 2022.
A Redação Nutritotal PRO é formada por nutricionistas, médicos e estudantes de nutrição que têm a preocupação de produzir conteúdos atuais, baseados em evidência científicas, sempre com o objetivo de facilitar a prática clínica de profissionais da área da saúde.
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